* Por Carina Rissi
Que a vida do empreendedor não é fácil já é senso comum. Os desafios de criar um produto, desenvolver o modelo de negócio, fazer a primeira venda, escalar e rentabilizar são gigantes.
Junte a isso as incertezas, dificuldades de equilibrar vida pessoal e financeira, mudanças de mercado, concorrência voraz e ainda terá menos de 10% dos desafios de empreender.
A verdade é que nada te prepara para as exigências de criar uma startup. Por isso, já adianto que você não irá encontrar nesse artigo a solução para os seus problemas. O mais provável é que eu levante problemas que você sequer se deu conta.
Colocarei os melhores esforços para compartilhar minha visão de como endereçar cada um dos 16 itens. Porém considere que, assim como nos negócios, o maior valor não está necessariamente na solução e sim na clareza do problema.
Mantenha sua captable limpa
Quando estamos no início do negócio e não temos capital, é muito sedutora a ideia de usar participação como moeda de troca. Neste momento, 10% ou 20% pode não parecer muito, mas a verdade é que “sujar” sua captable é um dos erros mais comuns e potencialmente problemáticos que você pode cometer.
Captable nada mais é do que um extrato que mostra quem possui quantas ações de uma empresa. Uma captable limpa não necessariamente possui poucos acionistas, mas certamente tem os fundadores com a maioria das ações e sem investimentos com termos tóxicos.
Alguns exemplos de situações tóxicas que sujam sua captable:
Investimentos conversíveis com mais participação do que o indicado para a maturidade do negócio: Existe uma regra que a maioria dos fundos segue sobre qual participação um investidor deve ter para cada momento da startup. Confira aqui um material excelente da Bossasova Investimentos sobre isso.
Fundadores com participação minoritária: O fundador não está na startup pelo salário, que no início costuma ser mínimo ou nenhum, mas sim pelo retorno futuro. E o valor desse retorno depende da participação. Nenhum investidor quer um fundador que não tenha esse incentivo e que se desconecte com o crescimento do negócio.
Investidores com grande preferência de liquidação em uma saída: As ações preferenciais de liquidação (liquidation preferences) permitem ao investidor recuperar o valor investido, ou um múltiplo do valor (2x, 3x) com prioridade sobre os demais acionistas. Se você tem investidores que receberão de volta um múltiplo de seu investimento na venda da empresa, antes que qualquer outra pessoa receba qualquer coisa, pode ser um obstáculo na entrada de novos investidores.
Contratos com advisors baseado em rodadas ou valuation futuros: Eu já cometi esse erro e presenciei outros fundadores cometerem. Minha visão é simples e direta: aconselhamento é um serviço pelo qual devemos pagar assim como qualquer outro. Fuja de contratos de aconselhamento que envolvam participação na empresa. Fundos não gostam de surpresas nem de complicações e este tipo de contrato adiciona uma complexidade desnecessária podendo inviabilizar um investimento.
Não se casa com estranhos, nem se faz sociedade
Escolher um sócio baseado na amizade é tão errado quanto escolher apenas por conhecimento técnico. Claro que o melhor cenário é ter sócios fundadores com conhecimentos complementares. Mas lembre que sociedade é um compromisso de longo prazo com potencial de ter grande impacto na sua vida. Então o aspecto técnico é apenas um dos critérios que você deve analisar na escolha de um sócio.
Idealmente, vocês devem compartilhar visão de mundo sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Neil Patel tem uma excelente definição: você quer ter certeza de que seu cofundador está disposto a dedicar a mesma quantidade de trabalho que você, trabalhar em horários semelhantes e se comunicar de maneira semelhante.
Minha sugestão é trabalhar em um pequeno projeto do início ao fim. Da ideação à execução. Essa experiência prática te permitirá entender como seu potencial sócio pensa, age, lida com situações de estresse, recebe e dá feedback e como colabora com outras pessoas.
Vesting para fundadores desde o dia 1
Imagine que você possui uma sócia que de repente decide parar de trabalhar. Você segue se dedicando ao negócio, trabalhando para o crescimento, investindo tempo e dinheiro. É justo que essa pessoa que abandonou o barco mantenha a participação que vocês definiram quando ambas estavam atuando igualmente?
Esse é um cenário muito comum porque a verdade é que a maioria das pessoas não tem o nível de abdicação e persistência necessárias para passar das primeiras etapas de um novo negócio. Eu tenho minha própria experiência com isso e posso garantir que não é nada prazeroso ver o sócio curtindo a vida enquanto você se mata de trabalhar em jornada dupla porque acredita no negócio.
A boa notícia é que existem instrumentos contratuais como o Vesting para evitar esse tipo de situação desagradável. Eu recomendo fortemente que você tenha esse tipo de contrato desde o dia 1 da sua startup.
O contrato de vesting prevê uma aquisição progressiva de direitos sobre o negócio. Enquanto a pessoa permanece atuando na empresa ela vai acumulando ações ou participação de forma progressiva. Por exemplo 15% de participação por trimestre durante 2 anos.
O período mais comum nos contratos de venting é de 4 anos com 2 anos de cliff. O cliff nada mais é do que um período de carência no qual nenhum direito é obtido. Assim, caso haja a saída ou desistência dentro desse período a pessoa não tem qualquer direito.
Venda o mais rápido possível
Não estou falando em vender a sua empresa, mas vender o seu produto ou serviço para clientes reais. É claro que um bom planejamento é importante para antecipar riscos, entender a dinâmica do mercado e preparar as bases para o crescimento. Mas nenhum planejamento supera a vida real em termos de aprendizado.
Quanto mais cedo você tiver clientes reais, pagantes, mais cedo você terá feedbacks sinceros sobre o valor que seu produto gera para as pessoas.
Ah, mas e se eu errar e queimar cartucho? O risco de desperdiçar uma oportunidade cedo demais é real. Para evitar isso vejo duas saídas: a) ser transparente com o cliente sobre o estágio do seu negócio e o que isso pode representar em termos de entrega; b) usar clientes com menos relevância no mercado como laboratório.
Em ambos os casos eu recomendo fortemente que você cobre pelo seu produto/serviço. Não entregue sua solução de forma gratuita. Eu incluo aqui inclusive os testes gratuitos (as famosas POCs). Somente assim você terá o comprometimento do cliente com o processo, além de uma preocupação fidedigna com o custo-benefício da sua solução.
Entenda o quanto antes quem é o seu cliente ideal
Pode ser contraintuitivo pensar em reduzir o tamanho do mercado-alvo. Mas a verdade é que ter clareza sobre qual perfil de cliente captura o maior valor da sua solução é um divisor de águas em qualquer startup.
Conhecer o seu perfil de cliente ideal permitirá:
- Reduzir o cac, concentrando esforços de marketing e vendas nos leads com maior potencial de conversão
- Aumentar a retenção e reduzir o churn devida a entrada de clientes aderentes à proposta de valor
- Aumentar ticket médio por entender com mais clareza o valor gerado ao cliente
- Desenvolver parcerias estratégicas com empresas com soluções complementares
- Testar mais facilmente novos canais de aquisição pelo nível de conhecimento do seu cliente
- Construir autoridade sendo especialista em determinado setor ou nicho de mercado.
- Seja obcecado por dados
Se você não pode medir, você não deveria fazer. Em algum momento caiu a minha ficha de que o recurso mais valioso do meu negócio era o tempo. A verdade é que nunca dá tempo de fazer tudo que desejamos. A gente brinca que o melhor lugar para esconder cem reais é no backlog do time de desenvolvimento, e essa costuma a realidade de uma startup de tecnologia. Uma lista infindável de ideias que precisam ser organizadas.
A chave do sucesso mora, portanto, na habilidade de priorizar. E o pior erro que você pode cometer é priorizar (ou tomar qualquer decisão) com base no que você ou qualquer pessoa ACHA.
Qual recurso devemos desenvolver primeiro? Quem eu devo promover? Qual cliente tem mais chances de usar essa funcionalidade?
Criar desde a fundação uma cultura de coleta, organização e consumo de dados certamente economizará muito tempo o orientará melhores decisões.
Comece com coisas que não escalam
O recado aqui é muito simples de ser entendido. Antes de investir toneladas de dinheiro e tempo em uma estratégia de alta escala, faça as coisas manualmente. Ou como eu costumo dizer: na raça!
Imagine que você criou o iFood e precisa ter um catálogo de restaurantes. O modelo escalável seria desenhar um processo de aquisição de restaurantes, com formulário automatizado de aplicação que já informa os requisitos, coleta documentos, avalia, aprova ou rejeita, direciona para o cadastro de itens do cardápio e assim por diante.
Mas faz sentido fazer tudo isso sem saber se esse plano dará certo? Claro que não.
Fazer esse processo com coisas que não escalam seria ir você mesmo presencialmente a restaurantes próximos e fazer o cadastro manual de cada restaurante. Esse processo escala? Não, mas demanda muito pouco esforço e recurso para validar sua tese de negócio, proposta de valor, estratégia de preços, perfil de cliente e etc.
Escale processos e não pessoas
Recentemente eu ouvi o Rodrigo Baer, GP da Upload Ventures, falar que a pior cag@d@ que um fundador de startup pode fazer é inflar a empresa de pessoas. Especialmente quando há uma certa abundância de capital, é muito sedutor contratar uma pessoa para fazer um trabalho burro que você poderia resolver de forma inteligente.
Digo por experiência própria: não crie bot humanos. Na maioria das vezes não precisamos de mais pessoas, mas de mais tecnologia e processos.
Quer ver um exemplo prático? Concentrar todas as origens de leads em um único sistema pode ser bem desafiador. A solução inteligente seria mapear todas as origens e buscar soluções para trafegar os dados entre sistemas chegando até o CRM, por exemplo. A solução burra é contratar um estagiário bot humano para ficar movendo registros entre sistemas.
Confira aqui o Mídia Kit do Startupi!
Aprenda a contratar
O Marcelo Lombardo, CEO da Omie me disse numa mentoria certa vez: o papel do CEO é contratar pessoas 10x melhores do que ele próprio. Isso bateu como para mim. Durante muito tempo eu tive orgulho de ser a melhor em diversas áreas da empresa. Quanta ignorância rs.
Quando sua empresa atinge um nível em que é impossível entregar resultados mesmo que você tome 25 energéticos e trabalhe 24 horas por dia, cai a ficha de que você precisa de pessoas.
Normalmente começamos contratando a gente mesmo, mas com isso vem as primeiras decepções. Logo concluímos que não somos bons nisso e precisamos de um RH. Afinal, temos que trazer pessoas melhores que nós mesmos, certo? Errado!
Existem 2 habilidades que todo fundador precisa desenvolver para ser bem-sucedido: vender e contratar. E se observarmos bem, ambas possuem a mesma raiz: entender de pessoas.
O maior desafio em contratar não está na construção do processo. Isso uma boa pesquisa resolve. O difícil mesmo é aprender a ler as pessoas. Conseguir extrair o que você precisa, sem perguntar diretamente. Saber observar os diferentes tipos de linguagem que uma pessoa usa.
Invista seu tempo para aprender sobre modelos mentais, perfis comportamentais, processos decisórios… Quanto mais você entender sobre como as pessoas pensam, mais facilidade você terá em fazer boas contratações.
Para começar eu recomendo que você conheça o método DISC de avaliação de perfil. Aqui tem uma aula gratuita minha sobre o tema.
Não reinvente a roda
Outro aprendizado óbvio, mas que eu mesma errei tantas vezes. A gente tende a achar que nossa empresa é única, nosso produto é diferente, nosso mercado é peculiar, nosso cliente é especial; mas a verdade é que startups no mesmo estágio tendem a sofrer dos mesmos problemas.
Fazer benchmarking e estar em contato com outros fundadores em estágios mais avançados pode representar grandes atalhos para o seu negócio. Minha dica é não ficar preso a empresas do mesmo mercado ou modelo de negócio. Ouse conhecer como funcionam outros segmentos e descubra quantos insights valiosos podemos retirar.
Se relacione com VCs desde o início
Nunca é cedo demais para iniciar o relacionamento com fundos. O processo de levantar capital nunca é simples e envolve muita troca de informações. O motivo é óbvio, um investidor quer conhecer o negócio, mas também as pessoas por trás dele. Quanto mais early stage o negócio, mais relevante são as pessoas e menos os resultados.
Mesmo que você não tenha planos de buscar investimentos, nunca é prejudicial construir esse relacionamento e coletar os feedbacks dos fundos. Lembre que são pessoas que olham centenas de startups todos os anos e possuem uma ampla rede de relacionamentos.
Conheça seu mercado nacional e internacional
É muito fácil nos perdermos no operacional e pararmos de mapear o mercado. A compreensão do seu mercado não é algo que você faz para criar o ppt inicial e nunca mais volta. Entender e acompanhar a dinâmica do mercado permite antecipar movimentos estratégicos, identificar oportunidades de negócio e mapear a concorrência.
Observar o mercado global é ainda mais importante em termos de estratégia, pois mercados costumam se movimentar antes no exterior do que no Brasil.
Existem muitas formas de se manter atualizado, minhas preferidas são:
1 – Portais especializados
2 – Google Alertas com nome de empresas e termos específicos do mercado
3 – Notificações para seleção de empresas no Crunchbase
4 – Faça pelo menos um planejamento estratégico por ano
Depois que o negócio está rodando tendemos a ser absorvidos pela operação. Lembre de organizar fóruns de planejamento estratégico para revisitar ou definir o plano para os próximos 12 meses. Se afastar do dia a dia da empresa permite uma visão mais clara para traçar as metas e prioridades para o ano.
Existem modelos prontos que você pode usar como guia para isso, ou você pode contratar um facilitador. Lembre-se que o sucesso mora na capacidade de priorização. Esse olhar amplo sobre o negócio garante que ações estratégicas não sejam sufocadas pela loucura do dia a dia.
Domine o básico de finanças
Não estou sugerindo que você faça um curso de contabilidade ou CFO, mas que você conheça as diferenças entre os regimes tributários, saiba os impostos que você deve recolher, entenda como estruturar e analisar um P&L, quais são os unit economics mais relevantes do seu modelo de negócio, as alavancas de crescimento e ofensores de margem da sua empresa.
Faça isso e evite ser a próxima Americanas. Brincadeiras à parte, o mínimo de conhecimento te deixa menos exposto a erros (intencionais ou acidentais).
Consistência te leva mais longe do que qualquer coisa
Fazer todos os dias é simplesmente a coisa mais importante de todas. Disciplina de execução é responsável por 100% das empresas de sucesso. Não é sobre a melhor ideia. É sobre a melhor execução, ou melhor, a execução mais consistente. O resultado está muito mais relacionado com soma de pequenas ações consistentes do que de grandes iniciativas.
Inovação é produto da escassez
A última é talvez a lição mais dura de todas. Se você ainda não vivenciou um momento de escassez de caixa, provavelmente irá em algum momento.
Por mais difícil que seja ter que tomar ações de redução de custos, gerenciar fluxo de caixa diário e até desligar pessoas com quem você construiu amizade; definitivamente é nos momentos de maior escassez que sua empresa terá as soluções mais inovadoras e criativas.
Melhor do que sentir na pele a pressão de ter apenas 3 ou 4 meses de caixa, é criar uma cultura de escassez de recursos.
Minha sugestão é que para cada novo investimento ou custo seja criado um documento com o motivo, duração, métricas que medirão sucesso e retorno esperado.
A sensação de abundância de recursos, mesmo que ilusória, cria um ciclo vicioso perigoso. Melhor do que cortar custos de tempos em tempos é gerenciar a criação deles.
Camila Rissi é cofundadora e CEO da Startup membro do Cubo Itaú, Monuv, um software SaaS que aplica inteligência artificial em qualquer câmera de segurança. Possui mais de 12 anos de experiência em consultoria, liderando projetos de planejamento comercial, CRM e Outbound no Brasil e no exterior. Professora e mentora de vendas da comunidade Neil Patel e Receita Previsível.
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