* Por Endeavor Brasil

A biologia nos explica. Quando um novo organismo é inserido em um ecossistema, todas as relações ao seu redor podem mudar. Assim aconteceu também com o ecossistema empreendedor no Brasil nos últimos anos, com a chegada de um player que, até então, vivia distante do movimento empreendedor: as grandes corporações.

De acordo com a pesquisa lançada em 2018 pela Endeavor em parceria com a EY-Parthenon e a Cátedra Insper-Endeavor, Corporate Venture é a expressão utilizada para caracterizar qualquer esforço de uma corporação para criar novas iniciativas empreendedoras (entrepreneurial ventures), seja ele interno ou externo.

No caso das iniciativas externas, de engajamento empresa-empreendedor, grandes organizações aproximam-se de startups e scale-ups, com objetivos distintos, tais como:

  • Aproximar-se do mindset empreendedor;
  • Complementaridade dos negócios;
  • Garantir controle do processo de inovação;
  • Incorporar inovação.

Isso ocorre porque empresas já estabelecidas precisam inovar em uma velocidade maior do que sua estrutura organizacional pode permitir, enquanto que as recém-chegadas dependem de parcerias, investimento e novos clientes para acelerar o crescimento. Se houver alinhamento estratégico e afinidade, junta-se a fome com a vontade de comer. Estabelece-se aí, como na biologia, uma relação de mutualismo.

Formas de fazer Corporate Venture

Nesse caminho, surge uma relação bastante rica entre scale-ups e grandes empresas, que pode acontecer de diferentes formas, de acordo com o nível de engajamento e comprometimento de cada lado.

Algumas dessas iniciativas são:

  • Programas e eventos, como hackathons, em que a empresa propõe um problema interno para ser resolvido por um grupo de pessoas;
  • Compartilhamento de espaços físicos de coworking onde a empresa e o empreendedor têm a oportunidade de trabalhar juntos;
  • Programas de incubação e aceleração que buscam criar um ambiente de aprendizagem onde empreendedores possuem acesso a mentores;
  • Contratação de algum produto ou serviço do empreendedor pela empresa;
  • Participação minoritária, sem aquisição do controle da empresa, que em geral permanece com os empreendedores;
  • Aquisição de controle parcial ou total da empresa.

O exemplo do Santander

Na prática, o ecossistema brasileiro ainda está despertando para as possibilidades do Corporate Venture. Para isso acontecer de forma acelerada, é preciso, antes de tudo, mudar o mindset dos dois lados da mesa. Na perspectiva das grandes corporações, a competitividade precisa ser substituída pela visão de colaboração. Já do lado dos empreendedores, a parceria precisa ser vista como uma alavanca de crescimento para o negócio.

Um exemplo desse movimento são as iniciativas de inovação aberta do Grupo Santander.

Essa é uma mudança que está em pleno vapor. A indústria financeira é um dos setores com maior potencial de disrupção nos próximos anos. Seja pelas novas tecnologias, as criptomoedas, o blockchain ou as fintechs, fato é que o ecossistema financeiro no mundo vai mudar — e rápido.

Corporate Venture vai além de uma iniciativa liderada pelo time de Inovação e afeta, de forma transversal, o modo de se relacionar da organização com o ecossistema.

Nesse contexto, a aproximação de uma instituição financeira tradicional com as scale-ups abre caminho para novas parcerias, contratações, investimentos e para a disseminação do mindset empreendedor na cultura da organização, o que pode ser fundamental para sua sobrevivência. Para isso, o banco conta com iniciativas de aceleração e apoio a empreendedores como o Radar Santander e o Empreenda Santander, além de inaugurar, mais recentemente, o Farol Santander, um espaço cultural no centro de São Paulo que busca reunir o ecossistema de empreendedorismo e economia criativa da cidade.

O contato com as scale-ups dos programas pode gerar novos negócios, melhorar a eficiência operacional do grupo, originar novos produtos e ainda expor seus executivos à mentalidade dos empreendedores, por meio de mentorias. Já o espaço cultural no centro da capital estimula novas conexões e encontros que geram trocas significativas.

Agilidade para as grandes, reputação para as pequenas

Por meio do Corporate Venture, uma grande empresa pode se adaptar com muito mais rapidez e flexibilidade às mudanças, demandas e até ameaças de mercado. Não há dúvidas de que, se uma grande corporação resolvesse se renovar e atualizar por conta própria, levaria muito mais tempo e gastaria muito mais recursos.

Nessa relação, as scale-ups são beneficiadas também, claro. Receber o investimento, ser contratada ou fechar uma parceria com uma companhia conhecida significa receber também reputação, habilidades e, claro, recursos. Mas não apenas financeiros: as scale-ups apoiadas pelo Radar Santander, por exemplo, passaram a contar com os insights dos executivos do banco para entenderem melhor o funcionamento do mercado e a proposta de valor que ofereciam.

CVE e CVI

Se você aprofundar a pesquisa sobre o assunto, certamente vai encontrar as siglas acima. Correspondem às duas principais formas de Corporate Venture: Externo e Interno. O CVE corresponde ao que já vimos: pequenas empresas com recursos próprios de empreendedores, que começam a prosperar e entram no radar de grandes organizações. Essas se associam àquelas, trazendo estrutura, gestão e capital.

Por outro lado, o CV é interno quando a empresa estimula a criação de novos negócios dentro de sua própria organização. Por meio de uma incubadora, por exemplo. Um espaço com estrutura enxuta e simples onde funcionários podem desenvolver ideias de forma isolada. E quando um novo produto ganha porte suficiente, ocorre o chamado ‘spin-off’. Ou seja, a unidade de negócio resulta na criação de uma nova empresa.

Melhores práticas de Corporate Venture

Por ser uma prática nova do ecossistema, os dois lados ainda estão aprendendo como se relacionar da melhor forma. Nesse caminho, definir as premissas do projeto, os responsáveis e as entregáveis antes de fechar a parceria, a contratação ou o investimento significa metade do caminho para o sucesso da relação.

Se você empreende uma scale-up ou está liderando uma iniciativa de inovação aberta em uma grande corporação, use a checklist abaixo para guiar suas próximas conversas.

1. Defina seus objetivos e ambições

Para os empreendedores: defina de forma clara e alinhada entre os sócios qual o objetivo da parceria (mentoria, conquistar cliente-âncora, acesso a clientes, captação de recursos, etc.).

Para a grande corporação: discuta, de forma franca, quais são os reais objetivos do engajamento com empreendedores (melhoria da imagem corporativa, aumento da atratividade no recrutamento, inovação tecnológica em processos e produtos, ampliação do portfólio de produtos e serviços, etc.). Avalie, então, as alternativas disponíveis e decida quais formatos são os mais adequados aos objetivos traçados e ao grau de maturidade em inovação da companhia.

2. Compartilhe os critérios de sucesso e resultados esperados da parceria

Para os empreendedores: entenda quais os objetivos da parceira do lado da grande corporação, qual o nível de comprometimento da alta gestão com o projeto e seu horizonte de tempo.

Para as grandes corporações: à luz do seu objetivo estratégico, esteja aberto para experimentar coisas novas e ressignificar o que é o sucesso ao longo do projeto. No início, o resultado qualitativo pode ser mais importante para provar a hipótese do que as métricas em si.

3. Arrume a casa antes de se conectar com o ecossistema

Para os empreendedores: invista tempo e recursos em melhorar seus processos internos, gestão da informação, procedimentos contábeis e tecnologia da informação. O investimento dará retorno no médio prazo de forma independente e aumentará as chances de uma parceria bem-sucedida.

Para as grandes corporações: estabeleça um processo claro e ágil para seleção e aprovação das empresas engajadas, designando quais as informações necessárias, pessoas responsáveis e periodicidade da seleção. Além disso, escolha cuidadosamente o profissional responsável pela liderança dos esforços, buscando alguém que apresente um equilíbrio entre o entendimento do ambiente empreendedor e da cultura corporativa.

4. Cuidado com as armadilhas de velocidade, burocracia e choque cultural

Para empreendedores: não crie fricção e atrito para você mesmo. Organize todas as informações necessárias, ofereça material de suporte para o seu ponto de contato vender a ideia internamente e faça tudo com agilidade e eficiência.

Para grandes corporações: adapte suas práticas de contratação e aquisição para a realidade da relação com os
empreendedores, buscando equilibrar as necessidades de conformidade, restrições estatutárias
e gestão de risco ao universo de empreendedorismo, tipicamente menos estruturado.

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