*Por Vivian Muniz

Nos últimos anos, “saúde financeira” e “impacto social” se tornaram expressões recorrentes em eventos, painéis e discursos institucionais. Basta circular por fóruns de inovação, conferências de negócios ou encontros do setor financeiro para perceber que esses temas estão em alta. Mas será que esse protagonismo nas falas tem se traduzido em transformações reais na vida das pessoas?

Eventos como o EMERGE Financial Health 2025, promovido pelo Financial Health Network, evidenciam esse movimento. A programação do primeiro dia, por exemplo, uniu experiências práticas como uma caminhada ecológica para discutir sustentabilidade com grandes painéis sobre inclusão financeira, equidade racial, design centrado no cliente e bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. O discurso, sem dúvida, é inspirador.

Acompanhei muitas discussões sobre acesso, empatia, a necessidade de produtos mais justos e intuitivos. CEOs de bancos, criadores de documentários e especialistas em tendências geracionais subiram ao palco para afirmar que as instituições precisam mudar sua abordagem. Os termos são fortes: “desigualdade estrutural”, “produtos tóxicos”. A linguagem é correta, sensível, até urgente.

Apesar do crescente espaço que a saúde financeira ocupa nos palcos, seja físicos e digitais, a maioria das soluções ainda gira em torno de propostas convencionais, como coaching financeiro, educação básica sobre orçamento e acesso ao crédito. Em outras palavras, ajustamos os mesmos mecanismos de sempre, esperando resultados diferentes.

Enquanto isso, os principais desafios persistem: milhões de pessoas seguem presas ao ciclo de endividamento, sem acesso a canais de orientação confiáveis, usando produtos desenhados para quem já tem estabilidade econômica. Um exemplo é a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da CNC que revela que 77,6% das famílias brasileiras estavam endividadas em abril de 2025.

Além disso, ainda há uma desconexão geográfica e cultural importante. Os debates ainda são fortemente centralizados nos Estados Unidos tanto em linguagem quanto em soluções. É positivo que líderes globais estejam olhando para o tema, mas é preciso cuidado para não universalizar problemas e soluções que são profundamente locais. Saúde financeira em Chicago não é a mesma coisa que saúde financeira em Salvador, Bahia, ou no Equador.

Isso não significa que os eventos sejam irrelevantes. Pelo contrário. Eles são espaços valiosos de troca, aprendizado e articulação entre atores diversos bancos, fintechs, fundações, empreendedores e formuladores de políticas. A questão é: como sair do palco e ir para a realidade? Como transformar boas falas em boas práticas?

A resposta talvez esteja em três caminhos:

  1. Cocriação com os usuários reais: desenvolver produtos e políticas ouvindo, desde o início, as pessoas mais impactadas por problemas financeiros.
  2. Medição de impacto com honestidade: avaliar não apenas quantos acessaram um produto, mas como isso afetou suas vidas no longo prazo.
  3. Fomento à inovação radical: sair do conforto das soluções tradicionais e apoiar ideias disruptivas, inclusive aquelas que desafiem a lógica de lucro imediato.

Assim como o EMERGE 2025, os eventos em geral muitas vezes nos trazem painéis sobre trabalhadores do setor sem fins lucrativos, um grupo que muitas vezes carrega o peso da transformação social, mas que enfrenta enorme vulnerabilidade financeira. A discussão nos mostra como ainda há muito a avançar em termos de benefícios, segurança e dignidade econômica para esses profissionais.

Os eventos também estão dando palco à nova geração. Isso porque eles têm debatido o papel de plataformas como o “FinTok” e tendências como o “loud budgeting”– que envolve a abertura e transparência na discussão sobre finanças pessoais, especialmente no que diz respeito à decisão de não gastar em algo. A dificuldade das instituições financeiras em se comunicar com esse público mais jovem, que rejeita modelos tradicionais, é um alerta para quem deseja manter relevância nos próximos anos.

Com isso, fica a certeza de que saúde financeira é mais do que crédito e conta corrente, é acesso, autonomia, dignidade e pertencimento. Fica também o sentimento de que precisamos ir além do coaching financeiro e do “acesso ao crédito”. A inovação de verdade está em soluções intuitivas, acessíveis, baseadas em dados e empatia.

Assim como o EMERGE 2025, fóruns e eventos globais reforçam o papel dos ecossistemas financeiros como alavancas de transformação mas também nos lembram que o impacto real exige escuta, experimentação e coragem para repensar o óbvio. Saúde financeira, no fim das contas, não é sobre planilhas ou produtos. É sobre garantir que cada pessoa tenha o direito de viver com dignidade, segurança e autonomia.

*Vivian Muniz é Vice-Presidente de Produto, Marketing e Customer Service na Fully Ecosystem, plataforma de bem-estar que oferece soluções integradas de saúde física, mental e financeira, e especialista em engajamento, bem-estar e construção de hábitos saudáveis com impacto real na vida das pessoas.


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