*Por Luciano Idésio

Desde a implementação do SPED em 2007, o Brasil não presenciava uma transformação com impacto tão abrangente em seu modelo fiscal-tributário como a Reforma Tributária, e espera-se que essa simplificação aumente a competitividade e a relevância do país no cenário internacional. Vale destacar que a Reforma Tributária vai muito além da simples alteração de regras fiscais, integração de sistemas e adequação às exigências de conformidade: trata-se, de fato, de uma reforma estrutural e digital, que exigirá das empresas uma profunda transformação em seus processos, sistemas e, sobretudo, uma revisão detalhada de seu modelo organizacional.

Contudo, dados indicam que o planejamento para a transição ainda é incipiente: de acordo com pesquisa do Thomson Reuters Institute, no último ano, 76% dos profissionais afirmaram não ter iniciado as preparações para a Reforma, mesmo com 95% deles esperando um impacto significativo em suas operações.

A introdução do Imposto e Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS e CBS), substituindo tributos como ICMS, ISS, PIS e COFINS, forma o chamado IVA Dual. A complexidade dessa transição reside no fato de que, entre 2026 e 2033, os dois sistemas tributários coexistirão, criando uma demanda operacional significativa para as empresas, com 74% dos profissionais citando a sobrecarga de trabalho durante o período de transição, com os dois sistemas, como uma das mudanças negativas mais esperadas, segundo a pesquisa.

Os protagonistas iniciais desse processo serão os profissionais contábeis e tributários, mas o sucesso da transição dependerá do engajamento de toda a organização e do caminho estratégico que as empresas precisarão percorrer – não apenas em termos tributários, mas de tecnologia, gestão dos dados, preparação de líderes e colaboradores envolvidos.

Tecnologia para integração e para novos tempos para a conformidade

Um dos aspectos mais desafiadores da Reforma é seu caráter digital by design. Ou seja, as mudanças regulatórias criam processos a partir das possibilidades atuais e latentes da tecnologia. O conceito de Split Payment, por exemplo, exigirá que instituições financeiras realizem diretamente o repasse dos novos impostos durante a liquidação financeira de todos os documentos fiscais. Isso representa uma mudança radical na forma como as empresas gerenciam seus fluxos de caixa e obrigações tributárias, bem como as questões de créditos tributários.

Felizmente, o Brasil possui vantagens competitivas nesse aspecto: a Nota Fiscal Eletrônica, o sistema SPED e o Pix do Banco Central compõem um bloco de digitalização nacional que facilitará a implementação dessas mudanças. No entanto, isso não diminui a necessidade de investimentos significativos em tecnologia, em especial em questões de conciliação e contabilização das informações.

A pesquisa do Thomson Reuters Institute revela que 66% dos profissionais consideram que o investimento em soluções de gestão tributária será a principal categoria de gastos nos próximos 6 meses a 2 anos. Outros 62% esperam um crescimento similar em atualizações de processos e consultoria externa. Esses números refletem a consciência do mercado sobre a necessidade de modernização tecnológica para enfrentar esse desafio, afinal as equipes são pequenas e a demanda de trabalho certamente crescerá, sem uma plataforma tecnológica que gerencie todo o ciclo fiscal um incremento de equipe é esperado, além do potencial aumento do custo da remuneração para profissionais mais seniores das áreas fiscais.

Impactos da Reforma Tributária no comércio exterior

A Reforma Tributária também trará mudanças significativas para as operações de comércio exterior, exigindo adaptações importantes nas soluções tecnológicas utilizadas pelas empresas. Além disso, será fundamental que os gestores de Comércio Exterior revisem práticas e processos já consolidados, pois esses podem representar desafios adicionais em termos de tempo e alinhamento organizacional durante a implementação das novas exigências. O novo regime tributário afetará modelos de importações, exportações e regimes aduaneiros especiais como o RECOF e, ainda, potencializará uma revisão sobre a cadeia logística de importação e exportação​[AC1]​ .

As empresas que operam no comércio internacional precisarão adequar seus processos para lidar com o novo tratamento tributário nas operações transfronteiriças, incluindo a forma como os créditos são apropriados e utilizados. Ademais, os sistemas precisarão estar preparados para calcular corretamente os novos tributos incidentes sobre produtos importados, garantindo compliance e evitando penalidades.

A integração entre os sistemas de comércio exterior e as plataformas fiscais será crucial para manter a consistência das informações e garantir o correto tratamento tributário das operações internacionais. Empresas com forte atuação global precisarão investir em soluções que permitam uma visão integrada de suas obrigações fiscais em diferentes jurisdições, facilitando o planejamento tributário e a tomada de decisões estratégicas, e evitando o crescente trabalho manual que, além de gerar maiores riscos, atrasa o processo interno das empresas, gerando maior custo.

A base da Reforma é tecnológica

As empresas que mantêm sistemas legados ou soluções desatualizadas enfrentarão dificuldades maiores durante a transição. O backlog tecnológico – aquele acúmulo de atualizações e modernizações que foram sendo postergadas ao longo dos anos – agora se comporta como uma bola de neve crescente e, o que começou como um pequeno adiamento de atualizações, ganha volume, velocidade e força em intervalos cada vez menores. Assim, desafios operacionais acumulados podem se tornar impeditivos para a adaptação ao novo modelo.

As soluções de gestão tributária precisarão realizar atualizações contínuas para se alinhar com as novas regulamentações, com um volume, pelo menos, duas vezes maior de obrigações a considerar, com os dois modelos. Haverá maior necessidade de automação e precisão nos cálculos tributários, geração de obrigações acessórias e avaliações tributárias. Sistemas que não estejam preparados para essa realidade podem comprometer toda a operação da empresa.

O planejamento de cenários e a análise de impacto tornam-se ferramentas essenciais nesse contexto. Desenvolver cenários baseados em possíveis resultados permite criar estratégias flexíveis que podem ser ajustadas conforme a regulamentação tributária evolui. A análise de impacto, por sua vez, ajuda a entender como as diferentes áreas do negócio serão afetadas.

Mais da metade dos profissionais entrevistados (52%) considera importante usar ferramentas de simulação de cenários para avaliar o impacto do novo modelo tributário sobre seus preços. Essas ferramentas permitem antecipar os efeitos da Reforma sobre a competitividade dos produtos e serviços, possibilitando ajustes estratégicos antes mesmo da implementação completa das novas regras.

Uma oportunidade disfarçada de desafio

A Reforma Tributária representa, sem dúvida, um desafio significativo para as empresas que operam no Brasil. No entanto, como toda grande transformação, também traz consigo oportunidades para aqueles que souberem se preparar adequadamente.

As empresas que investirem em tecnologia, capacitação de talentos e planejamento estratégico não apenas garantirão sua conformidade com o novo regime tributário, mas também poderão obter vantagens competitivas significativas. A simplificação do sistema tributário, a redução da complexidade e a maior clareza no planejamento fiscal são benefícios potenciais que podem ser maximizados por organizações bem-preparadas.

As empresas que se anteciparem estarão posicionadas não apenas para cumprir as novas regras, mas para transformar esse desafio em uma oportunidade de modernização, eficiência e crescimento sustentável. O relógio dessa transformação fiscal e tecnológica já está em contagem regressiva: o caminho até 2033 pode parecer longo, mas a preparação é urgente e deve começar agora.

*Luciano Idésio é Vice-presidente do segmento de Corporações para América Latina na Thomson Reuters.


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