Mentorias, conversas e um mergulho na cultura mais empreendedora do mundo: conheça os aprendizados que trouxemos na bagagem, depois da Missão para Israel.

Em uma das bases da Força Aérea israelense, em meio ao deserto escaldante e à rotina de treinamento militar, Kobi Richter se apaixonou por Judith. Ele, piloto da esquadrilha, ela oficial de um dos esquadrões. Juntos, os dois fundaram a Medinol, empresa de desenvolvimento de dispositivos médicos que fabrica stents de cateterização. O aparelho já foi responsável por salvar a vida de milhares de pacientes com problemas do coração pelo mundo.

Em uma das batalhas judiciais mais conhecidas de Israel, o casal venceu a Boston Scientific na justiça, em uma ação por violação de patentes, recebendo uma indenização de US$ 750 milhões. Com esse montante, eles não precisariam nunca mais trabalhar na vida, além de se considerarem realizados pelo impacto que geraram com sua invenção. Porém, o sentimento de dever que carregam é maior do que qualquer recompensa financeira. Kobi ainda tem uma angústia: “Não fico tranquilo enquanto não inventar a cura do Alzheimer.”.

A visão de Kobi e Judith é parte de uma cultura muito maior, na qual a educação das mães judias molda o caráter, o serviço militar exercita a resiliência e a necessidade de proteção do território torna cada cidadão corresponsável pelo país.

“O país é o maior ativo das pessoas que estão aqui. O drive não é o dinheiro, é gerar o maior impacto possível no mundo.”

Michel Abadi, investidor brasileiro que vive em Israel há 15 anos

Essa é Israel, a nação das startups.

Um país que completou 70 anos de independência em 2018, no qual 8 milhões de pessoas ocupam um espaço menor do que o estado de Sergipe. Em meio ao deserto de Neguev — uma região inóspita e árida — são criadas mais de 12.400 startups todo ano, empresas como Waze, Wix e Viber, concentrando também mais de 250 centros de Pesquisa & Desenvolvimento de grandes corporações globais. Além disso, 96 empresas nascidas no Estado de Israel já fizeram seu IPO na bolsa de valores de Nasdaq. No Brasil, foram apenas 32.

Em outubro desse ano, levamos cerca de 15 embaixadores e mentores da nossa rede para conhecer a história, os empreendedores e a mentalidade da nação que luta todos os dias, com persistência e vontade, para existir. Da viagem, trazemos na bagagem a história de um povo que usou as adversidades para construir uma nação mais empreendedora. Um exemplo e tanto para o Brasil que queremos construir.

Israel-Endeavor-01

1- Um objetivo comum que une toda a nação

Esse alinhamento em torno de um propósito e o forte senso de dever permeiam toda a cultura e a mentalidade dos empreendedores com quem conversamos

Não há nada mais efetivo para unir as pessoas do que ter um objetivo comum. Talvez mais forte que isso só se for um inimigo comum.

Os israelenses acreditam que todo judeu tem o direito a ter uma nação para onde voltar — vivendo de forma livre e independente. Para um país tão novo, com apenas 80 anos de existência, e literalmente cercado por inimigos, garantir que essa grande conquista não se perca é a missão de cada israelense.

No nosso papo com Yossi Vardi, um dos grandes ícones do país, isso ficou bem claro. A família desse empreendedor, já próximo dos seus 80 anos, sempre esteve em Israel — muito antes da tão esperada independência. Ele nasceu durante a Segunda Guerra Mundial em uma família simples, em um país que ainda não podia chamar de seu.

Passou por diversas guerras, viu o estado de Israel nascer diante dos seus olhos ainda criança e cresceu para dedicar sua vida às startups. Acertou em cheio muito cedo (em 19 meses vendeu o ICQ por mais de US$ 90 milhões) e, depois disso, continuou a investir em 86 startups em Israel e se tornar uma lenda no ecossistema de tecnologia.

“O componente do caráter é uma das coisas mais importantes em um empreendedor. Aqui, o negócio de todo mundo é ajudar as startups. Isso é paixão — uma força interna de que você deve construir algo. Você deve ajudar outras pessoas porque, em um país tão pequeno como o nosso, todo mundo conhece todo mundo.”

Yossi Vardi

Outra figura emblemática do país é Doron Livnat. A história do seu pai, Yitzhak Livnat,  está profundamente enredada com a do nascimento e desenvolvimento do Estado de Israel — ele sobreviveu aos campos de concentração de Auschwitz, e se tornou um dos grandes ícones do Sionismo, movimento político que defende o direito à autodeterminação do povo judeu e à existência de um Estado nacional judaico.

Como Doron coloca, “Não se pode perdoar. Não se pode esquecer. Mas siga em frente. Nós não podemos ser refugiados para sempre. Nós não somos vítimas.”.

Sempre em frente, não somos vítimas: esses são praticamente mantras de Doron, que cresceu para se tornar um dos maiores empreendedores de Israel.

“Em dias ruins, não perca a esperança pelos dias bons.”

Doron Livnat

Doron completou seu serviço militar em 1977 como Oficial e continuou a servir como Comandante da Reserva. Formou-se em Economia, Comércio Internacional e Logística em uma Universidade na Alemanha, e mais tarde completou seu OPM (Owner/President Management) na Harvard Business School. Doron também é proprietário de um grupo de empresas internacionais na Holanda especializadas em aluguel e venda de plataformas de trabalho aéreo e outros equipamentos, além de fazer parte do Conselho de várias empresas. Mas o mais impressionante da sua história é o seu trabalho como empreendedor social fomentando a inovação em educação por meio de organizações como Beit HaShanti, Ayalim, Sapir College e Matan Israel.

2- Serviço militar como a primeira grande escola para empreendedores

“Não não é uma opção.”

Dror Shared, Wix

Todo israelense sabe que vai doar pelo menos três anos de sua vida ao serviço militar, logo depois de se formar na escola, aos 17 ou 18 anos. E, até os 45 anos de idade, continua como reservista, dedicando um mês por ano para se atualizar junto ao seu batalhão original.

Para um país cercado de inimigos, a alta capacidade de defesa é questão de sobrevivência

Desde cedo, cada um é avaliado pelos seus atributos, para serem alocados em unidades diferentes do Exército. Em algumas bases mais disputadas, como a Unidade 8200, a maior das Forças de Defesa de Israel, eles passam por testes psicológicos, físicos e mentais, em um período conhecido como Gibosh.

Essa experiência faz com que os israelenses vivam, ainda muito jovens, algumas situações que os obrigam a tomar decisões, e muitas vezes questionar a hierarquia — já que não há tempo de esperar por uma ordem de cima quando seu batalhão corre perigo em campo. Essa característica cultivada no combate os leva a desenvolver uma liberdade de questionar qualquer modelo existente, valorizando a horizontalidade em vez da hierarquia.

“Não existe cadeado que você não possa quebrar. Depende apenas de quanta energia você está disposto a colocar nisso.”

Dror Shared, Wix

Além disso, os melhores estudantes atuam nos centros de tecnologia do Exército, recebendo treinamento e desafiando as leis da física. Nós, no Ocidente, entramos na faculdade sabendo pouco sobre o que queremos da vida. Eles, ao contrário, já começam essa etapa com uma bagagem de vida e profissional adquirida muito cedo,  depois de viver 3 anos com um nível alto de autonomia e responsabilidade para agir em um ambiente de grande pressão.

É por isso que a experiência de serviço militar conta, e muito, no currículo de todo israelense.

“Complete a missão. Nós estamos todos aqui para vencer a batalha.”

Erez Yerushalmi, CIO da Avante

3- Um outro significado para a palavra risco

Depois de servir o Exército e ter enfrentado perigos reais em campo, o risco de quebrar uma empresa ganha uma nova dimensão. Na maioria das culturas pelo mundo, se você falhar, está acabado. Mas, em Israel, o fracasso é visto como um ótimo aprendizado sobre o que não fazer.

“Não quero que alguém não tente apenas porque eu falhei naquilo antes. Eu tentei, ele não.”

Dror Shaked, Wix

Dov Moran, fundador da Grove Ventures, fundo de investimento em empresas early-stage focado em IoT, cloud e soluções de big data conta que sempre buscou nos empreendedores uma combinação de flexibilidade e persistência. Ele é um dos mais reconhecidos empreendedores e líderes de Israel, sendo considerado um dos pioneiros da tecnologia de armazenamento e da criação do USB. Na época em que cumpria o serviço militar, em 1973, foi o coronel de seu batalhão quem assinou o primeiro cheque para ele iniciar a empresa.

Quando as pessoas são cofundadoras de um país, criar uma empresa fica mais fácil

“Lembro que me pediram um plano de negócios, mas eu não tinha ideia do que era aquilo. Nem deu tempo, na verdade, de criar um. Crescemos 200 vezes em 4 anos. Depois disso, achei que tudo estava resolvido, mas então a pergunta mudou: como eu vou sobreviver? Por mais que tivéssemos um sistema melhor do que os concorrentes, eles tinham dinheiro. Depois de recusar seis propostas, decidimos vender o negócio quando a empresa já chegava a 1.000 pessoas.”

Nesse sentido, o mais importante para o investidor, segundo o VP de Business Development do Wix, Dror Shaked, é o ROI total dos investimentos, não de apenas um deles.

Na conversa com Uri Levine, fundador do Waze, a velocidade de decisão se mostrou mais importante do que a necessidade de estar certo o tempo todo. “Na vida, existem as decisões certas e as não-decisões. Quanto mais cedo você decidir, melhor. O maior inimigo do bom não é o ótimo, é o não feito. Dando esses baby steps a cada decisão, você acaba do outro lado da jornada.”

4- Empresas globais desde o dia 1

“A escassez faz oportunidade, então temos muitas tecnologias interessantes por conta da nossa realidade.”

Alan Feld, Vintage Investment Partners

No dia em que Israel declarou sua independência, os países vizinhos invadiram seu território. Com o forte apoio dos Estados Unidos, Israel derrotou seus adversários, ocupando os territórios da Galileia, o Deserto de Neguev e a Cisjordânia, a oeste do rio Jordão. Nessa guerra, 1% da população foi dizimada. Em um território tão pequeno e cercado de inimigos prontos para atacar ao menor sinal de vulnerabilidade, o Estado de Israel só tem uma chance: crescer com os olhos no mundo.

É crucial para o sucesso das startups não depender apenas do mercado interno, mas sim criar produtos e serviços globais com embalagens em inglês, adaptados à cultura ocidental e escaláveis pelo digital. Com esse movimento de ir para o mundo, um fenômeno tem se manifestado: o mundo também está indo para Israel. As grandes corporações estão migrando suas sedes de Pesquisa & Desenvolvimento para usufruir do hub de desenvolvimento intelectual abundante na região.

“Go global or go home”

Uri Levine

O município de Beer-Sheva, por exemplo, juntou-se a uma iniciativa nacional de promover a cidade como a “Cyber Capital” de Israel. A cidade recentemente foi reconhecida como um dos locais com maior impacto na mudança global; hoje são vistos como um novo hub de tecnologia que as empresas deveriam avaliar como ativo estratégico. Gigantes de tecnologia abriram centros em Beer-Sheva, como EMC2-RSA, Lockheed Martin, Oracle e IBM.

5- Ciência como o caminho para a grande disrupção

O Weizmann Institute nasceu com o lema “Ciência para o benefício da sociedade”. E pra eles, isso só é possível ao transformar dinheiro em conhecimento, ou seja, investir em ciência e, a partir disso, transferir a tecnologia para as indústrias de interesse. A primeira empresa criada dentro de uma universidade no mundo nasceu lá: a YEDA. E a partir dela, já saíram 7 dos 25 remédios mais vendidos no mundo.

Hoje, o desafio deles é fazer as pesquisas fluírem entre diferentes campos de estudo para que uma descoberta sobre o câncer, por exemplo, possa ser conhecida por quem desenvolve deep-technology. Dessa forma, a especialização comum dos grandes centros de pesquisas não cria silos e isolamentos dos saberes.

“As pessoas já querem fazer coisas grandes, o nosso papel aqui no Instituto é permitir que isso aconteça.”

Dr. Ravid Straussman

Um dos ícones dessa revolução científica é a Accelerator Of The Hebrew University, uma universidade fundada em 1925 por grandes visionários como Einstein, Freud e Chaim Weizmann e já conta com 7 Prêmios Nobel.

Dentro da universidade, funciona um centro de inovação chamado Yissum, fundado em 1964, que gerencia toda a propriedade intelectual gerada dentro da universidade. Do total de pesquisas realizado pelo centro, 30% geram interesse real das empresas e se traduzem no desenvolvimento de produtos e serviços que vão para o mercado. Entre os principais assuntos que são pesquisados pelo centro, estão energia renovável, agricultural, materiais e nanotecnologia, saúde, educação e farmacêuticos.

Parte da nossa viagem também passou por entender quem são os futuristas de Israel e qual a visão deles para os conflitos do Oriente Médio nas próximas décadas. O Professor David Passig, por exemplo, PhD em Future Studies, conta que existe uma lógica na forma como os sistemas têm evoluído, sendo possível prever como serão em 2048 — daí o nome de seu livro. Em 30 anos, a taxa de acerto é de 70%, ou seja, uma visão de futuro que vale conhecermos.

“Quando falamos em inovação, o recurso mais importante é a imaginação. Para isso, você precisa estar em um ecossistema que ofereça diferentes visões da realidade, com liberdade de pensamento. Na minha perspectiva, esse é um dos maiores problemas da China. Além disso, o baixíssimo nível de fertilidade do país afeta o futuro da criatividade, já que o pico de geração de ideias acontece entre os 25 e 35 anos. Sem crianças, em 30 anos não haverá mais ideias! Já em Israel, 45% da nossa população tem menos de 25 anos. Isso significa que temos novas ideias sendo introduzidas na sociedade.”

6- Parceria público privada que funciona

“Eu acredito que a cultura de inovação em Israel começou há 80 anos, quando um grupo de pessoas decidiu que iam fazer do deserto o seu lar.”

Dr. Ami Appelbaum, Ministro da Economia e da Indústria e Chairman do Israel Innovation Authority

Não tem segredo. Tudo o que recebe investimento, recursos e atenção, cresce. Assim também aconteceu com o investimento em Pesquisa & Desenvolvimento de Israel, que representa 4,4% do PIB do país, enquanto no Brasil a representatividade é de 1,2%.

Esse movimento começou há mais de 40 anos, quando foi criado o Israel Innovation Authority, um braço do governo que existe para gerenciar investimentos em P&D para incentivar a inovação.

A parceria entre o setor público e o privado já começa diferente, já que qualquer pessoa pode se candidatar às vagas na equipe, e uma equipe de especialistas é responsável pela seleção. Para os cargos de alta gestão, o processo é o mesmo, e o governo aponta o responsável a partir de uma lista de finalistas previamente definida pelo processo de seleção.

O órgão é alinhado com as políticas do governo mas a estratégia é tocada diretamente pelo 120 funcionários da instituição. O Conselho conta com cinco pessoas do governo e três do setor privado,

Eles investem em qualquer empresa instalada em Israel que tenha um projeto de P&D focado no desenvolvimento de tecnologia proprietária, e contam com um time de especialistas em todas as áreas para fazer essa análise. Se o projeto tiver sucesso, eles cobram um payback do investimento; se o projeto falhar, eles perdoam a dívida. Nas palavras do Dr. Ami Appelbaum, Chairman do Israel Innovation Authority, “nós sempre olhamos para onde perdemos o dinheiro, todo dólar que colocamos percebemos que fez a economia crescer. Não adianta ter apenas inovação se você não consegue transformar isso em crescimento econômico para o país. “

“Uma coisa que é indiscutível aqui em Israel é a confiança nas instituições”. Essa frase, por mais absurda que pareça especialmente para nós brasileiros, foi o que garantiu uma parceria tão bem sucedida entre o governo e empresas de todos os tamanhos para investir em inovações disruptivas. Na conversa com Alan Feld, ele apontou como um dos fatores que mais influenciam o ecossistema de Israel, terem um governo mais aberto. “Nosso governo faz muitas coisas boas, mas uma delas foi ajudar as empresas de tecnologia em seus investimentos.”.

Voltamos da viagem pensando em como a história é capaz de moldar uma nação. Se não fossem o serviço militar, a hostilidade dos vizinhos de fronteira ou o tamanho de seu território, talvez Israel não passasse de um ponto no mapa do Oriente Médio. Mas se hoje o Estado é considerado berço das empresas mais inovadoras e relevantes do mundo, essa conquista se deve à reação de seu povo diante da história, assumindo a posição de cofundadores do país.

Para se aprofundar, conheça os livros que recomendamos da viagem:

  1. Startup Nation, por Dan Senor e Saul Singer
  2. Flexigidity: The Secret of Jewish Adaptability & Challenge, por Gidi Grinstein
  3. The Home We Build Together: Recreating Society, por Jonathan Sacks
  4. 2048, por Prof. David Pasig
  5. Exodus, por Leon Uris

O post Israel: uma nação empreendedora aparece em Endeavor.

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