Em seu Day1 no Scale-Up Summit, Ricardo Roldão, da Roldão Atacadista, conta os obstáculos que ele e a família enfrentaram para fazer crescer a empresa que hoje é uma rede com 30 lojas e 4 mil funcionários.

Minha história começa com outro Roldão: o João. Meu pai nasceu em Portugal e é o mais velho de 5 irmãos. Ele não gostava muito da escola e fugia para trabalhar. Ia vender tremoço, engraxar sapato, ajudava a avó a fazer as vacas pastarem… até que um tio dele, tio Abel, que morava no Brasil, o convidou para trabalhar numa carvoaria.

Meu pai tinha 11 anos. Ele pulou num navio, sozinho, e o combinado era que o tio iria buscá-lo no porto de Santos. Só que quando desembarcou, nem sinal do tio. Ele errou a data de chegada do navio, e meu pai dormiu duas noites no porto, até o tio Abel aparecer.

Depois de algum tempo na carvoaria com o tio, ele foi emancipado, trabalhou como motorista de ônibus e quis empreender. Conseguiu comprar um caminhão para puxar areia, até entrar no ramo de feira.

Infância

Quando eu era criança, era na feira que meu pai trabalhava. Eu lembro muito da casa com comida farta, a geladeira cheia de fruta. Eu e meus irmãos éramos doidos pra trabalhar com ele, mas ele não deixava.

Nós éramos 4 irmãos. Minha mãe ficava em casa, sempre muito presente na nossa vida. Tinha um Fusca, andava pra cima e pra baixo com a gente. Era muito amorosa, dedicada, mas quando a gente fazia algo errado, era terrível. Você achava que ela tinha esquecido, mas ela nunca esquecia. Quando você menos esperava, vinha um rabo de tatu, tipo uma correia, na perna ou na bunda.

Tinha muito “sim senhor, sim senhora”. Mas era um equilíbrio bom de carinho e rigidez. Quando meu pai chegava para jantar, tinha que estar todo mundo à mesa.

Até o dia em que a gente precisou jantar sem ele. Meu pai ficou doente, bastante doente. Teve tuberculose e passou meses no hospital. A situação em casa começou a apertar, mas eu tinha 9 anos, não sabia muito bem da gravidade da coisa.

Pra completar, o gerente da barraca do meu pai se aproveitou da situação e enganou minha mãe pra roubar a gente. Só deixou a barraca e o caminhão.

Um dia, meu irmão abriu a geladeira e sentiu falta de toda aquela comida farta. Perguntou: “mãe, não tem uma frutinha?” Ela começou a chorar. Foi quando a gente entendeu. E entendeu também que a gente precisava fazer alguma coisa.

Fomos pra feira. Tinha um senhor, Seu José, que me deixou trabalhar com ele: “você vem domingo, te dou dois pasteis e um caldo de cana e no final da feira você leva a fruta que quiser e conseguir carregar. Combinado?”

Combinado! Pro Seu José era ótimo, era uma forma de se livrar do descarte de fim de feira e ter mão de obra barata. E eu achava o máximo: ganhava pelo meu trabalho, levava 2 caixas de maçãs pra casa, e ainda me achava o melhor vendedor de limão da feira.

Nas férias, de manhã, eu fazia carreto na feira com carrinho de rolimã. À tarde, a gente pegava papelão. Só que já tinha ali o Seu Francisco, que era o único que catava papelão no nosso bairro. A gente ia nos comércios pedir e falavam “a gente já dá pro seu Francisco”. “Mas você não precisa dar tudo pra ele, dá um pouco pra gente”. Como éramos crianças, eles davam. Assim descobrimos a concorrência. E o Seu Francisco também, porque ele foi logo reclamando da gente pra minha mãe.

Ambulantes

Eu tinha 11 anos. Ele disse que eu era comunicativo, os clientes gostam de mim, e eu era o único disponível

Quando meu pai saiu do hospital, comprou um fusca. Reforçou o assoalho e deixou só o banco do motorista. Saía vendendo linguiça pra todo mundo que ele conhecia da época de feira — o dono do açougue, da padaria, da lanchonete… foi crescendo, se capitalizando novamente e em 1981, comprou uma Kombi e me chamou pra trabalhar com ele.

Nesse momento a empresa dobrou de tamanho: só tinha um funcionário; ele me contratou, ficaram 2.

Nós éramos meros ambulantes, mas ele era tão bom de relacionamento que a gente chegava nos frigoríficos e ia falar direto com o presidente. Eu via o trato dele com o cliente no dia a dia, ia aprendendo pelo exemplo e crescendo com ele. Nisso, a freguesia também crescia.

E assim com o tempo a gente foi contratando um vizinho como carregador, outro como motorista. De uma kombi foi pra segunda, terceira, e fomos ampliando o negócio como ambulantes.

Distribuidores

Nos anos 80 as pessoas tinham freguesia, então na época o que meu pai pensava era “aquele lá é freguês de fulano, não mexe.” Eu falava “Que não mexe, pai, ele vai comprar de quem ele quiser. Vou pegar esse cliente também”.

A gente tinha muito atrito por causa dessa minha forma de pensar, mas eu queria alavancar o crescimento. Muitas vezes minha mãe precisava agir como moderadora ali.

Sugeri pro meu pai: “pai, vamos fazer o seguinte: eu vou antes, tiro os pedidos, volto, a gente separa e entrega à tarde.” Com isso, viramos uma distribuidora. A gente ficava num espaço bem pequeno dentro de casa onde de um lado era o depósito e do outro a lavanderia da minha mãe.

Era uma loucura, isso de fazer tudo em casa. Atendia fornecedor, recebia mercadoria, colocava no quintal, separava… 4:30 da manhã chegava o carregamento de queijo. Eu lavava peça por peça, umas 300 por dia, no tanque de lavar roupa. Nos fundos, tinha uma casa que meu pai alugava. Quando saiu o inquilino, a casa virou depósito também.

À tarde a gente entregava e à noite eu ia pra aula.

A gente precisava de um espaço maior.

Eu tinha 17 pra 18 anos. Meu pai queria comprar casa em Alphaville, eu falava “eu já tenho casa pra morar, preciso é de lugar pra empresa.”

Foi uma briga, mas consegui convencê-lo a comprar um terreno no bairro. Metade do prédio serviu de depósito e na outra parte a gente montou uma loja balcão. Nesse processo, nossa estrutura foi ficando bem mais robusta.

Pela primeira vez, escutei meu pai dizer “O que o Ricardo resolver, tá bem resolvido.”

O ERP

Alguns anos depois nós compramos um outro prédio, que era da Votorantim, e fizemos um investimento enorme para transformá-lo em depósito só para distribuição. A gente faturava em torno de R$ 40 milhões nessa época e um desses investimentos foi em um novo sistema ERP, que a gente implementou de uma vez só.

A implementação não deu certo. A gente não conseguia nem receber pedido nem faturar. Foram 4 dias de total desespero, sem entrar nada no caixa, achando que a gente ia quebrar. A gente virava a noite no escritório pra não deixar cliente na mão.

Lembro que era meu aniversário e tava todo mundo em casa me esperando pra cantar parabéns. Eu não tinha nem como esconder o que estava acontecendo. Fui pra casa, assoprei as velas e voltei pra distribuidora. No final da madrugada, a gente não tinha conseguido faturar 1 real.

Nesse momento precisa de alguém com sangue frio e bom senso pra direcionar, dar uma palavra de ordem, um chacoalhão. Estávamos eu e meu irmão em pânico no escritório, e meu pai falou uma frase que até hoje é um mantra pra mim:

“Desculpa, mas eu não atravessei um oceano sozinho com 11 anos de idade para temer o futuro. E vocês também não deviam temer”

Levamos o sistema antigo de volta para a distribuidora. A operação voltou a funcionar, estabilizamos e voltamos a faturar. Depois de uns 3 ou 4 meses instalamos aquele ERP novo de maneira gradativa.

A ligação

Eis que um dia, numa quinta, me liga a gerente de crédito e diz: “Ricardo, estou com um problema com um cliente que não pagou e quer receber mercadoria.”

“Ué, você já sabe o que tem que fazer. Diz que se ele não mandar o boleto pago por fax, não vai receber mercadoria.”

“Já falei tudo isso, seu Ricardo. Ele falou que se o senhor não mandar mercadoria até amanhã, ele não vai pagar segunda-feira e ainda vai pegar o dinheiro que te pagaria e vai num tal de Assaquí, Assaí, comprar tudo lá”

“Tá bom, libera o pedido e fala pra ele pagar segunda”. E fui lá no Assai ver o que era.

Era uma loja de autosserviço, atacarejo, do tipo que estava começando a pipocar ali em meados dos anos 90. Foi aí que comecei a entender o movimento do mercado food service. As pessoas passaram a ir ao atacado de autosserviço para economizar com estoque — podiam ir ali todo dia se abastecer.

Não demorou um ano e meio para eu comprar um terreno e fazer uma loja nesses mesmos moldes.

Autosserviço

Montamos essa loja com R$ 6 milhões de estoque, que era 3 ou 4 vezes maior do que estávamos acostumados. Nessa época, a gente vendia uns R$ 3 milhões por mês.

Com um estoque de 6 milhões, no primeiro dia nós vendemos 12 mil reais

Contratamos um gerente com 20 anos de experiência no atacado. Ficávamos numa indecisão — abre a loja, não abre a loja, vai abrir que dia? Um dia, cheguei lá e a loja estava aberta. O gerente falou “ah, cansei da indecisão de vocês, resolvi abrir”. “Você tá louco?” “Não, relaxa, vai dar certo”.

Só que a gente não tinha feito divulgação nem nada. A gente achou que era só abrir a porta que ia entrar gente, ia ser um sucesso de vendas.

Ferrou. Agora que a gente quebra mesmo. Os fornecedores tinham dado prazo pra gente, mas não tinha capital pra pagar aquilo tudo de estoque. Era diferente daquela vez lá da distribuição, que já tava tudo mais ou menos pago. Meu irmão falava “nós vamos perder tudo!”

O risco do fracasso era real.

Chegamos a pensar em vender pra algum concorrente e se livrar dessa. Mas e a sensação de fracasso? A gente nem tinha ideia do que faria depois. Ou era isso ou era isso.

Não lembro se dividi muito disso com minha esposa, não queria preocupar ninguém. Meus 2 filhos eram pequenos, tinham 3 e 2 anos, então com eles era só festa. Mas de uma coisa eu tinha certeza: eu tinha que resolver, aprender a fazer isso acontecer.

Hoje o Roldão Atacadista tem 17 anos de vida, 30 lojas, 4 mil funcionários. A gente continua aprendendo, se transformando, e o João continua indo todos os dias para a empresa.

Conheça essa história completa no Day1 contado durante o Scale-Up Summit 2017!

O post Day1 | Ricardo Roldão: “Só perdemos para nós mesmos” aparece em Endeavor.

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