* Por André Martins
Tendência ou moda? As comidas tecnológicas, as chamadas food tech, ainda não aportaram por aqui. O consumidor brasileiro, no campo da alimentação, quer a volta às raízes: resgatar o estilo de vida interiorano. A bola da vez são os alimentos orgânicos, as assinaturas de cestas direto do sítio, os ovos caipira de galinhas soltas. No exterior, entretanto, as food tech começam a se impor.
Em recente visita a empresas no Vale do Silício, na Califórnia, conheci um dos fundadores da IndieBio, uma aceleradora de empreendedores que criam empresas nesse segmento. O número de projetos de food tech em desenvolvimento, inclusive para animais domésticos, supera em muito os de produtos orgânicos que temos no Brasil. Há, além disso, muitos desses alimentos sendo comercializados no mercado e que já estão sendo consumidos com escala razoável.
Num restaurante em Palo Alto (cidade polo do Vale do Silício), provei o hambúrger de carne – sem carne. A marca do produto, Impossible Meat, reflete esse conceito (Carne impossível, em tradução livre). Pelo sabor, aroma, textura e aparência, era um autêntico hambúrguer. A única diferença — ausência de sangue – deixará de existir em breve.
O ponto de reflexão que proponho neste artigo, além de se olhar para os diversos exemplos de alimentos que estão sendo produzidos por essa nova indústria, tais como peixe, frango, ovos, é o fato de que grandes cadeias de varejo já começaram a distribui-los, e, quando o varejo de grande escala se insere num segmento, isso significa que a produção está em linha com as governanças de produção que os players do mercado exigem. Estima-se que essa indústria chegue a cifras de 40 bilhões de dólares em dois anos, sim, já em 2020!
As comidas tecnológicas usam, basicamente, as células do alimento que se quer produzir compostas com “comidas plantadas”. Isso é uma revolução no campo da alimentação. E engana-se quem pensa que a única motivação de se investir nesse mercado é o movimento social pela preservação da vida de animais. Essa revolução tem sim o viés de sustentabilidade, pois o consumo de recursos para se produzir carnes é elevadíssimo, e também mercadológico – o mercado vegano ganhará contornos reais e deixará de ser conversa de roda de academias.
Um estudo da LCA conclui que o Beyond Burger (hambúrguer vegano) usa muito menos insumos em sua produção: 99% menos água, 93% menos terra e 46% menos energia. E gera 90% menos de gases de efeito estufa!
Carne é feita de quatro blocos — proteína, gordura, traço de minerais e água. As chamadas Beyond Meat encontram esses mesmos blocos no reino vegetal, as reconstroem do zero, sem prejuízo ao sabor ou à textura. Dos pontos de vista regulatório e sanitário, o FDA (a ANVISA dos Estados Unidos) manifestou-se a respeito desses alimentos e confirmou que os ingredientes são saudáveis para o consumo humano: “We have no questions at this time regarding Impossible Foods’ conclusion that soy leghemoglobin preparation is GRAS under its intended conditions of use to optimize flavor in ground beef analogue products intended to be cooked.”
O CEO e fundador do Impossible Foods Dr. Patrick O. Brown, professor emérito de bioquimíca da Stanford University, comentou: “Getting a no-questions letter goes above and beyond our strict compliance to all federal food-safety regulations. We have prioritized safety and transparency from day one, and they will always be core elements of our company culture.”
Outro mundo que começou a ser explorado pelas comidas tecnológicas é a da indústria de comida para animais domésticos. Visitei a Wild Earth, que lançou um produto nesse segmento, graças a aportes de diversos fundos e investidores, entre as quais a Mars PetCare (aceleradora especializada em empresas para animais domésticos), a Peter Thiel e a Babel Ventures. O foco da Wild Earth é levar comida vegana aos animais. O CEO e fundador da empresa se orgulha em dizer que ele come a comida que produz para os cachorros, e que ele gostaria de ver o mesmo acontecer com seus pares da indústria tradicional de ração.
Uma das análises que fiz nessa missão, organizada pela Falconi Consultoria e Brazil Innovators, é que o Vale do Silício está muito mais próximo do Brasil do que estava em 2012 quando estive por lá pela primeira vez. Por essa razão, atrevo-me a dizer que também viveremos essas mudanças de comportamento alimentar. Como sabemos, o mercado de comida no Brasil é um dos maiores no mundo e a nova economia não vai querer perder esse mercado.
O mercado de food tech não é uma moda: essa nova economia em alimentos chega para melhorar o acesso das populações à comida, evitar que tenhamos, cada vez mais, de ampliar áreas de produção, quando, na verdade, há um desperdício enorme ainda que milhões de pessoas não tenham acesso à comida. Produzir alimentos por meio de processos biotecnológicos é a próxima revolução alimentar.
A teoria de Malthus já foi derrubada, com o avanço da tecnologia no campo, que permitiu ganho de produtividade para poder alimentar o aumento exponencial da população. Chegou o momento de ampliar ainda mais essa oferta de alimentos, com tudo que a tecnologia pode nos entregar, com segurança alimentar. Estando nos Estados Unidos ou na Europa não deixe de procurar por um burger ou mesmo o famoso Fish and Chips, em Londres, feitos a partir de comidas tecnológicas. Você não vai se arrepender.
André Martins é cofundador da Superjobs, uma venture builder especializada em investimento de alto impacto em startups inovadoras. Conteúdo publicado originalmente em Olhar Digital.
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