Os planos de saúde encarecem 20% todo ano. Nesse ritmo, cada vez menos empresas conseguirão oferecer o benefício aos funcionários. Para resolver esse problema gigante, nasceu a Gesto.

Assista ao Day1 da Fabiana Salles.

Hoje, nós enfrentamos uma verdadeira crise de acesso a saúde no Brasil. De toda a população, 150 milhões de brasileiros dependem do SUS e apenas 50 milhões utilizam o sistema de saúde privada. Desses 50 milhões, 80% é financiado pelas empresas, que cada vez menos estão conseguindo pagar, uma vez que a saúde privada sobe 20% ao ano.

Para vocês terem uma ideia, na última crise, os planos privados perderam 3 milhões de vidas para o SUS.

Se essas tendências continuam, o SUS não vai conseguir atender todo mundo que precisa. Em 10 ou 15 anos, a população brasileira estará à deriva em termos de assistência médica.

Para resolver esse problema, nasceu a Gesto. Nosso objetivo é usar os dados e a tecnologia para ajudar as empresas a escolherem os melhores planos de saúde para os seus funcionários. E nesse Day1, eu compartilho como chegamos até aqui.

Dois anos de crédito

Quando eu tinha 5 anos, minha mãe, professora de escola pública, não tinha com quem me deixar. Eu tinha terminado o Jardim I na escolinha do meu bairro e deveria ir para o Jardim II, que tinha aulas à tarde em vez de ser pela manhã. A primeira ideia dela foi me matricular de novo no Jardim I. Não deu certo. Eu odiei e me recusei a ir pra escola. A solução então foi me levar para assistir às aulas de primeiro ano que ela dava. Como ouvinte.

O problema é que ninguém me contou que eu era ouvinte. Eu aprendia e fazia as lições como todo mundo – e me adaptei tão bem que, mais tarde, a escola e meus pais entraram com um recurso para que eu continuasse a vida escolar normalmente. Nesse processo, uma psicóloga falou para os meus pais: “Tudo bem ela ficar adiantada. Mas é importante que vocês não tenham uma cobrança muito grande. Pode ser que ela repita de ano e estará tudo bem. Ela talvez precise de um ou dois anos para amadurecer, mais para frente.”

E foi assim que eu ganhei meus 2 anos de crédito.

Com 13 anos, eu já decidi que queria trabalhar e comecei a dar aulas para os alunos do ginásio que precisavam de reforço. Daí em diante, ganhava meu próprio dinheiro.

Com 16 anos, entrei na faculdade de Engenharia Elétrica. Me encantei com a faculdade logo de cara e também não tomei nenhuma bomba – guardei meus 2 anos de crédito para depois.

Dia de sorte

Foi na faculdade, durante uma aula de bioengenharia, que comecei a me encantar com a ideia de aplicar a engenharia na saúde. Minha mãe tinha feito um exame de eletrocardiograma que fica 24h monitorando a atividade do coração. Para isso, era usado um aparelho portátil – mas que não era tão portátil assim. Ficava enorme no colo, gravando os sinais em uma fita cassete.

Pensando sobre essa tecnologia, me perguntei: “por que não fazer a transmissão desses dados por telefone, já que o telefone transmite áudio da mesma forma que é gravado na fita cassete?” Convenci alguns colegas a embarcarem nessa missão comigo e fiz disso meu projeto de conclusão de curso.

Um dia, conversando com meu cunhado, ele falou “tem um médico que já está fazendo isso que você pensou. O Dr. Bento Toledo.” Eu falei para ele me passar o contato e, metida que era, fui falar com o Dr. Bento, fundador da empresa Telecardio.

Sentei na frente dele e comecei a falar sobre meu estudo, a visão que eu tinha, a ideia de adaptar a tecnologia para o telefone celular para qualquer um poder usar. Ele disse: ”Muito bem. O que você quer de mim? Como eu posso te ajudar?”. Eu não sabia direito. Respondi “Quero um estágio! Para entender tudo e conhecer de perto a tecnologia”. Foi então que ele disse: “Hoje é seu dia de sorte!”

O Dr. Bento me contratou como estagiária e eu passei os últimos 6 meses da faculdade aprendendo tudo o que eu podia, com a certeza de que depois do estágio eu colocaria meu projeto na prática – e levaria além a ideia do ECG portátil.

Voo solo

Terminando a faculdade, era eu e a ideia. Enquanto quase todos os colegas estavam entrando em programas de trainee nas empresas grandes e ganhando seus “sobrenomes” – o fulano da Motorola, o ciclano da Siemens – eu sentia que estava todo mundo com dó de mim, achando que eu precisava de alguma ajuda para conseguir emprego – aquela maluca com a ideia do ECG por celular.

Meus pais pensaram “ah, acho que agora é a hora que ela precisa dos dois anos que ela perdeu, para amadurecer”.

Mas, para mim, o que eu precisava mesmo era de um plano de negócios.

Comprei um livro de plano de negócios para entender o que era isso. Terminei de ler sem saber. Só consegui resolver até o público-alvo.

Então percebi que eu precisava de ajuda.

Empretec

No site do Sebrae, não achei nenhum curso de plano de negócios, mas vi que tinha um chamado Empretec que falaria sobre isso no programa. O curso começava já no sábado seguinte e eu me matriculei.

Chegando lá, meio atrasada, meio sem entender nada, foi caindo a ficha de que a ideia era criar um negócio do zero em uma semana – e que aquelas pessoas que estavam ali eram muito mais parecidas comigo que a maioria dos meus colegas engenheiros. “Encontrei minha tribo!” – eu pensei.

Foi uma experiência muito transformadora! Descobri que eu era uma empreendedora e que o plano de negócios era o menor dos meus problemas, eu ia ter que encarar muitos desafios ainda para botar um negócio em prática. E o curso estava ali como agente duplo: para estimular a força empreendedora daquelas pessoas e, ao mesmo tempo, baixar um pouco a bola de todo mundo, mostrando que era preciso muita disciplina para botar um negócio em prática.

Fapesp

Saí do Empretec com a clareza de que eu ia empreender. Só não sabia muito bem como nem onde começar.

A primeira coisa que eu pensei foi tentar um financiamento de pesquisa na Fapesp para desenvolver o produto. Inscrevi meu projeto e fui chamada para uma conversa. Basicamente tomei um “sabão”. Descobri que, para financiar pesquisas, normalmente eles aceitam quem tem pelo menos um doutorado. E eu não tinha feito nem iniciação científica. Em outras palavras, o consultor ad hoc estava me dizendo “cresça e apareça”.

Como eu queria botar minha ideia em prática antes de ter que virar doutora, a pesquisa científica claramente não era o caminho.

Foi então que eu descobri o CIETEC, uma incubadora de inovação e empreendedorismo da USP. Marquei uma entrevista com o diretor na época e desta vez já fui preparada. Contei a história da FAPESP e perguntei logo: aqui vocês precisam também que seja experiente e com doutorado ou aceitam empreendedores de primeira viagem? Ele riu e disse: “você está no lugar certo.”

Dúvidas sobre o caminho

O Bento tinha uma visão avançada sobre o potencial de salvar vidas com o uso de tecnologia nos exames a distância. Ele queria ir além das clínicas e hospitais, queria vender o aparelho para as empresas.

Então durante um tempo eu fui vivendo esses dois mundos: enquanto pesquisava e incubava minha ideia no Cietec, ajudava o Bento a vender o ECG nas empresas.

Mas depois de dois anos trabalhando nessas duas frentes, eu me senti frustrada. Parecia que não estava chegando em lugar nenhum. Senti, pela primeira vez, que tinha consumido meus dois anos de crédito.

Do lado da Sentry, quando eu finalmente consegui engajar um time grande de executivos da Telefônica e da Motorola para fazer um consórcio que colocasse o ECG acoplado nos celulares, a diretoria da Telefônica mudou e o projeto caiu do dia para a noite.

Depois disso, eu passei em um edital da FINEP e ganhei um financiamento de R$ 500 mil para desenvolver o projeto em parceria com a universidade e outra empresa de tecnologia que dividia espaço comigo no Cietec. Mas o edital era tão engessado que inviabilizava nossa ideia e decidimos devolver o dinheiro. Dizem que quem devolve 500 mil reais junto, continua junto pela vida. Pelo menos no meu caso foi assim que aconteceu: o fundador da outra empresa que ganhou o edital comigo é hoje meu marido. Foi assim que a gente se apaixonou e que a ideia do ECG por celular saiu de vez da minha vida.

Do lado da Telecardio, a ideia do Bento de vender o aparelho para as empresas também não estava indo bem. A fala que a gente mais ouvia dos gestores era: “se eu não conheço o risco da minha população, como eu vou justificar a compra desse aparelho?”.

Aos poucos, começamos a desenvolver um serviço de mapeamento de risco para resolver esse problema. Mas aí chegávamos nas empresas e eles falavam: “Que legal! Posso comprar só o mapeamento de risco?” E não ganhávamos dinheiro que valesse o esforço da venda.

Assim, no fim desse período meio frustrante de dois anos, me inscrevi em alguns programas de trainee. E quando passei em um deles, com dor no coração, fui falar com o Bento.

“Tá na hora de eu acertar minha vida profissional. Passei num programa de trainee.”

Para minha surpresa, ele respondeu: “Quero que você seja minha sócia.”

“Como assim, sócia?”

“Sócio, sócia. Meio a meio. Em um negócio novo que você me ajudou a descobrir: serviços de gestão da saúde corporativa. É isso que o mercado precisa.”

Eu falei: “Beleza, mas então põe no papel!”

Ele pôs.

Foi assim que nasceu, em 2003, a Gesto: uma consultoria de serviços para ajudar as empresas a mapear os riscos, melhorar seu atendimento e tornar mais eficiente a gestão da saúde dos colaboradores.

A gente sabia que a grande demanda do mercado estava nas empresas, mas nosso primeiro cliente com a nova empresa foi uma operadora de saúde. Eles estavam passando por uma crise e o serviço de mapeamento de riscos ajudava na retenção dos clientes.

Conhecer o modelo e o banco de dados do lado da operadora de saúde me trouxe outra visão desse mercado. Era uma quantidade impressionante de informações: consultas, exames, internações… Se cruzássemos esses dados com os que a empresa tinha dos pacientes, a gestão da saúde nas empresas daria um salto de eficiência.

Lembro que o dia em que eu juntei essas pontas na minha cabeça eu estava na piscina, no sítio da minha irmã, num final de semana. Foi um verdadeiro momento “Eureka”! Eu sai correndo para anotar tudo num caderninho e me preparar para contar para o Bento na segunda-feira o que eu tinha imaginado.

Falei pra ele: “Nossa empresa não é de saúde. É de tecnologia da informação! Nós temos que vender um serviço de cruzamento de dados e inteligência. E o melhor lugar pra incubar é o Cietec!”

Preparando o mercado

Apesar de fazer todo sentido, não era um plano fácil de botar em prática. Falar de Big Data e Business Intelligence em 2003 soava um pouco absurdo. As ferramentas e mão de obra eram caras. Os dados eram todos desestruturados e desorganizados.

Tanto que trabalhamos desenvolvendo esse conceito durante 7 anos, sentindo esse tempo todo que nossa ideia estava desencontrada com as demandas imediatas do mercado e que teríamos que preparar o território antes de focar em vender inteligência.

Nesses 7 anos, o carro-chefe da Gesto era de serviços médicos para empresas, como gestão de ambulatórios, medicina do trabalho, mapeamento de risco para planos médicos.

Enquanto isso, íamos construindo nosso próprio banco de dados baseado no que aprendíamos com as maiores empresas do mercado.

Day 1

Até que, em 2010, uma das minhas irmãs foi diagnosticada com um câncer raro.

Ela tinha um plano de saúde básico e tivemos que ir por conta própria atrás de um especialista para entender o que podia ser feito. Nessa conversa, entendemos que os protocolos do plano dela não atenderiam as necessidades do tratamento – e decidimos fazer metade no particular e metade no SUS, para que ela recebesse o atendimento adequado.

Deu tudo certo. Minha irmã hoje está ótima.

Mas se dependesse apenas do que o plano dela cobria na época, provavelmente o desfecho teria sido outro.

Acompanhando ela de perto em todos os momentos, eu senti na pele as dores de quem precisa de um atendimento de saúde especializado. Primeiro, vi a ineficiência do plano de saúde. Depois, a diferença que faz um profissional especialista bem indicado. E, por último a loucura que é SUS: super bom por um lado; mas, por outro, longas esperas e trâmites complicados, sem conseguir atender todo mundo.

Um dia, numa manhã chuvosa, foi ao Hospital das Clínicas fazer os agendamentos da minha irmã pelo SUS. Naquele verdadeiro labirinto de burocracia, com filas enormes, eu entendi: minha missão era muito maior. Meu negócio não podia ser pequeno, ele teria que impactar todo o sistema de saúde para trazer sustentabilidade e equilíbrio, para que cada vez mais casos como o da minha irmã tivessem finais felizes.

Esse foi um verdadeiro Day1.

Nesse momento eu consegui enxergar o tamanho do problema com o qual eu estava lidando.

O caminho seria longo. Mas alguém tinha que fazer.

E aí começou tudo de novo. Fui falar com o Bento.

“Está na hora. A gente precisa dar escala ao negócio, alcançar milhares de médias e pequenas empresas do país, que é quem financia a maior parte da saúde privada no Brasil. Precisamos levar essa inteligência de maneira contagiante para o mercado.”

Tínhamos na mão um conhecimento profundo do mercado e um banco de dados parrudo, acumulado nos últimos 7 anos. Mas, como prestadores de serviço como vínhamos atuando, nunca conseguiríamos alcançar essa escala tão grande. O único jeito era apostar pesado na tecnologia: precisávamos mudar o modelo para software as a service.

E para tirar a ideia do SaaS do papel, seria preciso mudar por completo a rota da empresa. Era necessário montar um time novo, com competências de tecnologia e Business Intelligence, reposicionar a marca, fazer a transição dos contratos conforme iam vencendo e prospectar novos clientes.

Eu trabalhava muito nesses meses, noite e dia. Minha irmã achava que eu tava trabalhando pra fugir dos problemas. Mas não: na verdade eu estava trabalhando intensamente para resolver o problema!

Em novembro de 2010, já estávamos com o modelo novo em operação.

Arrumando a casa

Convenci o Bento a investir todo o dinheiro que tínhamos acumulado nessa transição.

Começamos contratando um gerente de TI, que nos ajudou a montar um time novo de tecnologia.

Em janeiro de 2011, conseguimos nosso primeiro cliente de SaaS.

E conforme a plataforma se materializava, pensei: “só com o que temos em caixa não vai dar. Para fazer isso direito vou precisar de dinheiro.”

Então chamei para me ajudar o Márcio, um consultor que preparava empresas para fusões e aquisições. Disse que precisava arrumar a casa para conseguir um investimento. Ele olhou pra mim e disse: olha, meu foco é preparar empresas para compra e venda. Mas seu negócio é interessante e eu vou ajudar.

Assim começou o nosso processo de transformação: mais formalização, novos controles financeiros, novo jeito de pensar escalável baseado em tecnologia.

Os primeiros fundos de investimento que procuramos disseram que tínhamos que ir além da intermediação, que ganharíamos muito mais dinheiro se fôssemos uma corretora. Mas não era pelo dinheiro: nós queríamos equilibrar o sistema de saúde brasileiro. E para isso acontecer, o primeiro passo era levar inteligência para dentro das empresas e melhorar a intermediação com as operadoras.

Até um dos fundos entendeu nossa visão de longo prazo e decidiu apostar. Conseguimos, em 2013, nosso primeiro investimento.

Marcamos um almoço com o Marcio para comemorar o trabalho que ele nos ajudou a fazer e acertar a parcela de sucesso que ele tinha para receber. Ele então falou que queria trocar essa remuneração por participação na empresa, porque acreditava no nosso sonho. Nós falamos pra ele: “Tudo bem, mas só se for participação mesmo. Queremos você dedicado no dia a dia”. Ele topou. Hoje, o Marcio é nosso sócio e CFO da Gesto.

Decolagem

O nosso modelo foi rapidamente se mostrando muito eficiente. A Gesto usava dados para escolher os melhores planos de saúde para as grandes empresas, ajudando a negociar taxas e prazos, gerenciando o custo que as empresas tinham com os funcionários e garantindo que, quando precisassem, fossem atendidos da melhor maneira.

Em 2015, participamos do scale-up da Endeavor e descobrimos que a gente tinha um potencial ainda maior – empresas de médio e pequeno porte.

Hoje, somos mais de 130 Gestonautas sonhando grande em transformar a saúde no Brasil.

Juntos, já impactamos mais de 6 milhões de vidas. E o sonho tá só começando.

Quando parece que ninguém tem plano de saúde, apenas “plano de doença”, a Gesto se preocupa em gerar inteligência para que os planos sejam de fato planos de saúde, que possam cuidar das pessoas antes que elas precisem de algo.

Nessa caminhada, fomos de ECG para serviço, de serviço para dados e de dados para a gestão inteligente de benefícios.

Eu aprendi que nem sempre o mercado está preparado para sua ideia e pode demorar anos de trabalho até que ela faça sentido. O ECG por celular, por exemplo, que eu tinha imaginado lá em 99, só está tomando forma agora, lançado pela Apple no Apple Watch.

E aprendi também que, diante de um problema gigante que parece insolúvel, nós temos uma certeza como empreendedores: sempre dá para fazer melhor.

O post Day1 Fabiana Salles: “Dá para fazer muito melhor” aparece em Endeavor.

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