É comum nos referirmos aos valores de uma empresa quando estamos falando sobre cultura. Os valores, segundo o dicionário Oxford, são “princípios ou padrões de comportamento”, ou seja, o julgamento de alguém sobre o que é importante na vida. Ora, não me parece que organizações tenham valores. Uma organização não acredita em nada. Suas pessoas, sim, acreditam em coisas. E a soma das crenças e dos padrões de comportamento dos colaboradores de uma empresa representam os “valores da organização”.

Mas, será que os valores de todos os colaboradores de uma organização têm o mesmo peso na composição do todo? Sem dúvida, não. Alguns funcionários têm peso desproporcional nessa equação. Em primeiro lugar, quem comanda a empresa tem um peso gigante. Serve de exemplo a ser copiado. Acaba imprimindo seus valores em quem avança e não avança no seu organograma. Perpetua histórias que são contadas via “boca a boca” e que preservam o que parece ser importante no grupo. E por isso tem o efeito de dar direção à cultura pelos seus valores.

Steve Jobs, por exemplo, acreditava muito no poder dos detalhes em seus produtos. Era extremamente metódico e detalhista, ao ponto de gastar um tempo enorme com o desenho da porção interior de seus computadores, que vale ressaltar, fica invisível para o cliente final. E isso criou uma empresa extremamente atenta aos detalhes, que acabou de gastar US$ 10 bilhões em uma nova sede que conta até com puxadores de gaveta desenhados especialmente para ela, em materiais extremamente nobres e refinados.

Os valores dos fundadores, CEOs e executivos de organizações têm um peso enorme na direção da sua cultura. E a cultura é basicamente o produto dos comportamentos que são perpetuados na empresa. Ora, para a Apple, que compete em produtos de alta tecnologia com designs incrivelmente únicos, a atenção aos detalhes é uma competência fundamental para a organização. E ela é muito bem recompensada por isso: e dizem por aí que a margem bruta da empresa em um Iphone é de mais de 50%, algo impensável no setor de eletrônicos.

Para continuar vencendo nesse mercado, a Apple tem que continuar à frente das inovações de produto nos seus setores. Tem que constantemente inovar e fazer mais. Tem que tomar riscos e criar novidades e, com isso, conseguir cobrando mais por seus produtos do que a concorrência cobra e, mesmo assim, vender muito smartphone. Por outro lado, o negócio do varejo é de margens extremamente “finas”, em que cada otimização de um processo se reflete em centavos de economia unitária e milhões de margem para a empresa.

O Walmart possui lojas extremamente simples, sem luxos aparentes e uma operação logística muito sofisticada e em constante fluxo, cuja missão é otimizar cada gota de combustível dos seus caminhões e cada hora de armazenagem das suas mercadorias. A margem bruta de uma operação excelente de varejo é de 25%. A líquida é (muito) menor que 10%. Para continuar vencendo nesse mercado, a Walmart tem que ser capaz de ter preços mais baixos do que o cliente encontra na concorrência e ainda assim ganhar mais dinheiro que a concorrência. Michael Porter, o falecido guru de gestão de Harvard, que criou a ciência por trás da competição, já tinha tipificado dois grandes jeitos de uma empresa se posicionar e competir em um mercado: a diferenciação de produtos da Apple ou a excelência operacional em custos Walmart.

Vamos pensar no caso de Sam Walton. O fundador da Walmart era um empresário rico, mas extremamente simples em seus hábitos pessoais. É famosa a história de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, que conta que Walton recebeu algum deles em Bentonville para uma visita de benchmarking. Quando o emissário brasileiro pousou em um teco-teco na pista de pouso de terra batida da pequena cidade do Arkansas, foi recebido pessoalmente por Walton em uma picape surrada com a caçamba cheia de cachorros. Nada de chauffer ou BMW de luxo. Nada de helicóptero ou protocolo.

Ora, havia então uma enorme coerência entre os valores pessoais de Walton (simplicidade, frugalidade) e a vantagem competitiva sustentável em custos que a Walmart viria a demonstrar, vaporizando seus concorrentes com “preços baixos, todos os dias”.

Steve Jobs, por outro lado, era um amante da estética e do estilo. Mandava buscar suas camisetas pretas, e de gola alta, em uma loja japonesa conhecida pelo seu refino (Comme des Garçons), e não aceitava nenhuma outra. Vestia-se com um minimalismo distintivo: a camiseta preta, jeans e um tênis New Balance. Sempre a mesma roupa. Conta-se que sua casa tinha tão poucos móveis e parecia que ele estava de mudança. Seus produtos mostram esse minimalismo. Essa atenção aos detalhes. Essa busca por materiais e resultados extremamente específicos e pensados à exaustão.

Será que Steve Jobs seria um bom líder para a Walmart? Ele provavelmente quebraria a rede tentando achar o piso perfeito para suas lojas em uma “mina remota de mármore no Afeganistão”. Os custos iam estourar no primeiro ano. E será que Sam Walton tocaria bem a Apple? Provavelmente não. Sua desatenção aos detalhes entortaria os produtos da empresa que, gradualmente, perderiam sua diferenciação, e acabariam caindo na vala comum de competição por preço. E a empresa não teria a competitividade para sobreviver nessa nova arena. A Apple pereceria. Viraria uma maçã podre.

Na próxima vez que você ouvir um líder empresarial falando sobre cultura e valores, faça esse exercício. Imagine esse líder na sua vida pessoal, pois essa tende a ser uma expressão mais pura dos seus valores. Ela é condizente com os valores pregados no âmbito empresarial?

* Francisco Homem de Mello é fundador da Qulture.Rocks, software de gestão de desempenho. Especialista e estudioso em cultura organizacional. Autor do livro The 3G Way: Dream, People, and Culture, figurando entre os mais vendidos da Amazon em estratégia e negócios e “OKRs: Da Missão às Métricas”, com o objetivo de ajudar as empresas a implementar uma metodologia de metas direcionada para alcançar resultados.

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