Publicado em: 05 de dezembro, 2019 | Atualizado em: 12 de dezembro, 2019
Julio Vieira

Escalar uma empresa de forte base tecnológica apresenta desafios que vão além dos comuns a toda scale-up. Aos poucos, Julio Vieira foi derrubando cada uma dessas barreiras para criar uma tecnologia única de reaproveitamento energético para grandes indústrias. Aqui ele conta essa história.

Lembro dessa conversa como se fosse hoje. Eu acabava de me formar na FATEC em um Tecnólogo de Mecânica e trabalhava em uma grande indústria de turbinas a vapor no estado de São Paulo. Fui conversar com meu chefe para entender até onde eu poderia crescer lá dentro:

— Agora que já estou formado, já entendo de turbinas, qual é minha perspectiva futura?

Ele me respondeu:

— Você está indo muito bem, Julio. Se continuar assim, no futuro, vai ocupar o meu lugar.

— Mas, e se eu quiser mais?

— Você vai precisar se formar em Engenharia em uma faculdade federal.

Não tive dúvidas. Pedi demissão e decidi cursar Engenharia Mecânica. Passei um semestre no cursinho e acabei sendo aprovado em três federais pelo Brasil. Uma delas, a UFRGS: uma das mais bem ranqueada naquele curso. Vendi meu carro, arrumei as malas e me mudei para Porto Alegre.

Lá comecei a dar meus primeiros passos como empreendedor. Durante a faculdade, eu fornecia os projetos produtivos das turbinas para a empresa onde tinha trabalhado, à distância. Logo, aquele único cliente se multiplicou em vários outros contratos; e o time formado só por mim chegou a ter seis pessoas.

Até que, em 2009, a crise chegou até nós. Perdi a maior parte dos contratos que tinha e, por consequência, tive que demitir minha equipe. No ano seguinte, a empresa fechou. Me dei conta de que aquela empresa tinha nascido por necessidade, não por visão. Ela não foi planejada para ser duradoura, era um modo de sobrevivência durante a minha graduação.

De que é feita uma scale-up

Não faz tanto tempo, mas dez anos atrás, o termo startup não era tão conhecido. Meu único contato com o ecossistema de empreendedorismo vinha das incubadoras das universidades locais. Ali eu entendi que minha próxima empresa precisava ser diferente.

Para dar certo, era necessário dois ingredientes: escala e inovação.

A inovação nasce do entendimento profundo de um problema. Por isso, se eu quisesse construir uma tecnologia que fosse, verdadeiramente, inovadora e escalável, precisaria experimentar diferentes tecnologias úteis para a indústria de energia. Decidi fazer isso trabalhando como consultor. Dessa vez, além de trabalhar somente com as turbinas a vapor, também prestei consultoria para geração de energia nas termoelétricas, especialmente as de biomassa.

Durante três anos, cheguei a testar quatro modelos diferentes. Eu identificava o problema, coloca a ideia em um business model canvas, apresentava para os clientes, entendia os feedbacks e voltava para casa para iterar. Em 2014, a ideia finalmente foi validada. Mas para entendê-la, quero te contar do que acontece hoje em uma fábrica que utiliza vapor.

O desperdício que ninguém vê

Hoje, mais de 70 mil indústrias no Brasil (20% do total) usam sistemas a vapor em seus processos. Parte deste vapor produzido tem sua pressão reduzida por meio de válvulas redutoras de pressão para serem utilizados em equipamentos que não suportam a alta pressão.

Para esse rebaixamento acontecer, as válvulas jogam energia fora na forma de calor.

A solução que nós encontramos foi substituir essa válvula redutora por pequenas turbinas de microgeração de energia. Na prática, ela executa a mesma função de rebaixar a pressão, mas também gera energia com o calor que antes era dissipado. Além disso a turbina pode ser operada com vapor saturado, cenário comum para utilização do vapor em processos industriais.

Uma indústria é capaz de economizar de 10 a 20% dos gastos com energia elétrica ao utilizar as turbinas da Prosumir.

Eu já tinha identificado o problema e sabia, tecnicamente, como poderia desenvolver a solução. Faltava apenas time e capital para fazer o negócio acontecer.

O MVP de 100 quilos

No Brasil, uma startup com base de engenharia tem barreiras de entrada muito maiores do que uma de serviços, por exemplo. Por isso, comecei buscando apoio na incubadora da universidade onde me formei. Lá consegui formar um time só de pós-graduandos que me ajudavam a criar o protótipo da turbina no laboratório da UFRGS.

No mesmo ano, em 2014, submeti o projeto a um edital de inovação do Sebrae e consegui o financiamento de R$ 80 mil. Esse era todo o capital que tínhamos para construir o MVP da turbina.

Tratava-se de um protótipo, mas era um equipamento com mais de 100 quilos, um metro de comprimento e meio metro de altura. A primeira versão gerava energia, mas ainda não estava pronta para o mercado. Passamos dois anos testando o modelo até criar o primeiro protótipo funcional em 2016.

Nossa primeira experiência foi na Pepsico em parceira com a EDP Smart, graças às portas abertas por um dos estudantes da universidade que trabalhava por lá. O projeto era gratuito e serviria para testar em uma fábrica de verdade o funcionamento e a eficiência da nossa turbina.

O problema é que, a essa altura, o capital do Sebrae já tinha ido embora e nós precisávamos, com urgência, captar.

A rodada por crowdfunding

Infelizmente, áreas mais técnicas de desenvolvimento industrial e tecnológico despertam pouco interesse dos investidores. Além das barreiras de entrada do mercado, são negócios que exigem equipes mais especializadas e têm um tempo maior de maturação para escala já que dependem de capital intensivo para produzir mais. A rodada não evoluiu com os investidores-anjo que procuramos, por isso no final de 2016, decidimos partir para um modelo menos convencional de financiamento: o Equity Crowdfunding.

Com a ajuda da Eqseed, nós conseguimos captar R$ 300 mil com 38 investidores diferentes. Nesse modelo de captação, não é possível ter distribuição de lucro, os investidores não têm direitos políticos e não há necessidade de formação de um Conselho. Uma alternativa de financiamento que se encaixou nas nossas necessidades.

Eles adoraram, mas queriam algo diferente

Em 2017, o experimento na Pepsico tinha se mostrado bem sucedido e nós estávamos prontos para ir ao mercado. Porém, o que os clientes pediam era diferente do que imaginávamos vender. As indústrias médias e pequenas que poderiam se interessar pelas turbinas de pequeno porte não tinham condições financeiras para adquirir o produto, já que ainda se recuperavam da crise. Já as maiores pediam turbinas de três metros de altura pesando 4 toneladas.

Nosso produto gerava de 15 ou 30 kW de energia, mas os clientes queriam turbinas de 500 kW.

Nossa saída era fazer turbinas maiores. Mas, para isso, precisaríamos de mais uma rodada de investimento que garantisse o fluxo de caixa. Pela primeira vez, em três anos, montamos uma equipe própria que não dependia mais da universidade.

Depois de ganharmos diferentes prêmios de inovação, incluindo o de Startup do Ano de Energia em 2016 e 2017,  passamos quase um ano na expectativa de receber um financiamento do FINEP. Porém, a burocracia do processo nos fez declinar o aporte.

Na metade de 2018, esse capital era fundamental para produzirmos nossa primeira turbina. Por isso, recorremos novamente ao Equity Crowdfunding. Dessa vez, conseguimos R$ 700 mil para colocar o projeto de pé e entregar a primeira turbina à Ambev.

O ritmo de fabricação de um produto dessa magnitude é completamente diferente da velocidade de uma scale-up: leva-se, pelo menos, um ano para o equipamento ser construído e instalado.

Em meio a tudo isso, em janeiro de 2018, eu recebi uma ligação da Endeavor. Eles estavam selecionando uma nova turma de scale-ups para o programa CPFL Inova, em parceria com a CPFL. Além das mentorias coletivas, do relacionamento com outros empreendedores do setor e do apadrinhamento de um mentor Endeavor, nós teríamos acesso a oportunidades dentro da CPFL.

Eu não sabia ao certo o que esperar da aceleração, mas sempre tive a certeza de que a troca com pessoas qualificadas ia me ajudar a enxergar nossos pontos cegos para profissionalizar a empresa. De fato, isso aconteceu – mas foi além. Nós fizemos uma parceria com o time de P&D da CPFL para desenvolver a turbina para a Ambev.

Assim, durante o último ano, um gestor de projeto da CPFL nos acompanhou durante todas as etapas de fabricação, ao mesmo tempo em que recebemos ajuda financeira para realizar os testes e estudos envolvidos no processo. Esse apoio foi fundamental para que o custo da turbina não tornasse o projeto inviável para nós.

Depois de um ano, entregamos nossa primeira turbina. E o resultado já é visível: a fábrica da Ambev que opera com o novo equipamento reduziu em 15% seus gastos com energia elétrica a partir do reaproveitamento do calor vindo do processo redutor da pressão.

Com esse primeiro case de grande porte conseguimos abrir novas portas em outras indústrias, como a Nexa/Votorantim Metais, e ainda ampliar nosso alcance a nível mundial pela própria Ambev. Já estamos produzindo uma segunda turbina para outra unidade da cervejaria, enquanto fechamos novos contratos com outras corporações.

O crescimento também é visível na evolução do nosso faturamento, nos últimos três anos: se em 2017, nós faturamos apenas R$ 7 mil, em 2018 fomos para R$ 700 mil e 2019 chegaremos em R$ 1,4 milhão. Ou seja, crescemos 100% em relação ao último ano e miramos crescer pelo menos na mesma proporção em 2020.

Dobrar de tamanho do ano passado para cá só foi possível graças ao CPFL Inova.

Nosso próximo desafio agora é encontrar um modelo para escalar nossas vendas. Acreditamos que o modelo de performance é o mais indicado, que é muito utilizado em empresas de eficiência energética e é solicitado por nossos clientes.

Além de diminuir a barreira inicial de compra que torna o ciclo de vendas longo e complexo, podemos gerar receita recorrente e maior margem de lucro, que garante uma maior saúde financeira para escalarmos. Aí está o fator de escala que tanto buscamos.

Para encararmos este desafio, o fluxo de caixa é fundamental para o desenvolvimento das novas turbinas já que, nesse modelo, nós ganhamos depois da entrega o proporcional à economia gerada pela turbina. Por essa razão, recorremos pela terceira vez ao Equity Crowdfunding da Eqseed, finalizado esse mês com captação de R$ 1,5 milhão.

Graças a ela chegamos a R$ 2,3 milhões captados em rodadas desse modelo, um recorde entre todas as startups brasileiras de base tecnológica.

Nos últimos seis anos, nós enfrentamos barreiras que nem imaginávamos quando desenhei o primeiro canvas da Prosumir. Porém, agora que tantas delas já foram derrubadas, o sonho tem potencial de ser ainda maior.

Ao seu redor, existe muita energia térmica sendo desperdiçada a todo momento. Nas chaminés das fábricas, no escapamento dos carros…Ao mesmo tempo em que metade da energia consumida no mundo é de termoelétricas. Ou seja, se essas duas pontas da cadeia se conectam, o desperdício se transforma em geração de energia. Essa é a essência do que nós fazemos na Prosumir. Um trabalho que começa nas grandes indústrias, mas pode se espalhar por todas as fontes de energia do mundo – uma etapa de cada vez.

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