


A MadeiraMadeira cresceu abaixo do radar. Em 10 anos, tornou-se o maior marketplace para casa do Brasil com 1 milhão de produtos ofertados e um faturamento de quase R$ 1 bilhão em 2019. Conheça a história de seus fundadores.
Esse é um jogo diferente. Não tem regras fixas, tempo estimado ou um único vencedor. Não tem pódium, primeiro lugar ou repescagem. O objetivo é se manter jogando tanto quanto possível. Só desiste quem perde os recursos ou a vontade de continuar na arena.
Esse é um jogo infinito. Daniel Scandian, Marcelo Scandian e Robson Privado decidiram jogá-lo 10 anos atrás com a MadeiraMadeira, a maior loja online de produtos para casa do país.
Diferente de um jogo tradicional com regras fixas e fina claro, o Infinite Game não é sobre ganhar. É sobre continuar jogando.
Simon Sinek conta que, para se manter na arena, é preciso alguns elementos: uma causa justa, lideranças corajosas, times confiantes, competidores à altura e um playbook flexível. Na história da MadeiraMadeira, esses elementos estão presentes desde o primeiro dia. Eles explicam parte do sucesso que trouxe a scale-up até aqui – e a fez se tornar uma das maiores empresas apoiadas pela Endeavor no Brasil.
Se você também está nesse jogo, é uma história que vale conhecer. Ela começa em Curitiba, em um galpão de 50 mil metros quadrados, onde seria construída a maior fábrica de pisos da América Latina.
Press Start
A obra fazia parte do plano de expansão da empresa de pisos do pai de Daniel e Marcelo. Depois de seguir uma carreira na Fórmula 3, Daniel voltava da Inglaterra para assumir a planta da construção. Já Marcelo ficou responsável pela gestão financeira do projeto.
Aquela indústria era o estado da arte no segmento, não fosse um problema: foi concluída em 2007, um pouco antes da bolha imobiliária estourar. Quando a obra começou, o dólar estava a R$3,60. Quando terminou, tinha despencado para R$1,60.
O sucesso da empresa vinha da exportação para os EUA. Sem mercado consumidor, o Brasil não daria conta da demanda. Assim, tão rápido quanto o estouro da própria bolha, a empresa precisou fechar as portas depois de 30 anos.
Para pagar todos seus stakeholders, o pai de Daniel e Marcelo ofereceu uma comissão se eles conseguissem vender as máquinas ociosas e o restante da mercadoria. Em poucos dias, Daniel aprendeu a mexer no Google Adwords e Marcelo colocou de pé o primeiro site. Em pouco tempo, todos os equipamentos foram vendidos e, pela primeira vez, o digital apareceu na história dos dois.
Continue? Yes!
A experiência foi rápida, mas o negócio parecia promissor. Os dois decidiram que iriam empreender. Com o dinheiro da comissão, deram início à MadeiraMadeira. Assim mesmo, com o nome duplicado. Reza a lenda que, no início, a concorrência de pisos laminados era forte e, para se diferenciar, os empreendedores garantiam aos clientes, quando perguntavam:
–Mas é madeira mesmo?
— É madeira madeira, senhor.
Um tempo depois, o nome pegou. Eles já chegavam dizendo:
— E aí Daniel, como está indo a MadeiraMadeira?
O batismo veio dos clientes e era fácil de lembrar. Assim, os dois começaram. Sem crédito na praça, os clientes do pai viraram os primeiros fornecedores da empresa.
“Nós não começamos do zero, nós começamos do negativo. Por conta da falência da outra empresa, nem conta no banco conseguimos abrir.”
Daniel Scandian
Phase 1
“Não tinha dinheiro para estoque, então a gente ligava para os fornecedores, descobria que mercadorias eles tinham e colocava no site para vender. Quando alguém comprava no nosso site, a gente emitia um pedido para o fornecedor fazer a entrega.”, conta Marcelo Scandian
No início, a MadeiraMadeira era um call center disfarçado de e-commerce. Funcionava como um catálogo online: depois de encontrar o produto, o cliente ligava e a venda era fechada por telefone.
Então, o que fazia dar certo? Três elementos:
- Forte estratégia de SEO e Google AdWords ainda em 2009, quando o e-commerce no Brasil engatinhava.
- Fluxo de caixa positivo em que o pagamento do cliente era feito à vista e o dos fornecedores à prazo.
- Boom imobiliário no Brasil, em contraste com EUA, aumentando a demanda por materiais de construção no B2B.
“A criatividade nasce da necessidade. É como o curso de um rio: se ele encontra uma pedra no caminho, pega um caminho diferente, mas não para nunca.”
Daniel Scandian
Em uma casinha no meio de São José dos Pinhais, no Paraná, a operação começou. No primeiro ano, os empreendedores conseguiram caixa próprio. No segundo, um empréstimo da Caixa sem garantia. Já no terceiro, depois de uma fraude com prejuízo de R$ 300 mil, eles tinham tudo para quebrar.
Foi um empréstimo das irmãs que fez a MadeiraMadeira continuar no jogo. Mas aquela era uma carta que não poderia ser usada duas vezes. Para garantir mais recursos, eles precisariam de investidores.
Phase 2
Na primeira reunião com a Monashees, o feedback foi claro: as projeções financeiras poderiam ser mais agressivas. Para quem tinha acabado de quebrar, o medo ainda falava mais alto que a ousadia. Apesar disso, os empreendedores não desistiram. Conversaram com outros empreendedores já investidos, reduziram o próprio salário pela metade e, aos poucos, foram convencendo os investidores.
Eles estavam jogando no pior cenário, no pior setor do e-commerce, com zero penetração. Manter-se no jogo já era ganhar.
Boost mode
Foi a resiliência que venceu essa batalha.
Em 2012, a MadeiraMadeira fez sua primeira rodada com Monashees, Kaszek e Frybridge no valor de R$ 8 milhões. Para além do capital, os investidores também ajudaram na evolução do modelo de negócio. No final daquele mesmo ano, eles foram para os EUA fazer um benchmark com a WayFair e a Build.com para entender o modelo de dropshipping, uma estratégia de logística sem estoque que aumenta a escala e a flexibilidade do e-commerce.
New Player
Nesse meio tempo, em julho de 2012, batia na porta deles uma pessoa interessada em conversar com Daniel. Seu nome era Robson Privado. Ele tinha sido abordado por um headhunter para ser o novo diretor de compras da MadeiraMadeira. Já tinha empreendido antes, vinha de uma família de empreendedores, tornara-se gerente comercial da Leroy Merlin aos 24 anos e tinha muito interesse em trabalhar em uma startup. O headhunter nunca ligou de volta, considerando que ele era muito novo para a função. Mas, curioso pela empresa, ele descobriu online o endereço e decidiu passar para conversar.
“Não era bem o Google que eu imaginei. Era um galpão enorme no meio do mato. O salário era bem baixo, não tinha equipe e eu ia começar com a área de Experiência e Produto. Mas eu sabia que dava para crescer. Se dava para crescer, dava para ser parte do negócio. Então eu topei!”, lembra Robson Privado.
A chegada de Robson foi o marco que transformou a MadeiraMadeira de um call center em uma startup.
Survival Mode
O ritmo de trabalho beirava o impossível. Eram 18 horas por dia, madrugada adentro. Os programadores chegavam a passar 20 horas, se desafiando entre si com apostas e brincadeiras para ver quem aguentava mais tempo. Chegavam para trabalhar com camisetas que diziam “102 horas e eu gosto”. Quem saísse antes da meia-noite levava para casa um protetor solar para “tomar sol”. Ali a cultura da MadeiraMadeira foi fincando suas raízes.
Não era sobre ganhar dinheiro ou construir a maior empresa do país. Era sobre o prazer de fazer parte daquilo e sentir que, a cada dia, eles avançavam e se superavam naquele jogo.
Game over?
Em 2015, depois de uma série B e algumas rodadas de dívida conversível, a empresa começou a queimar caixa. O dinheiro dos investidores estava prestes a acabar.
“Nós aprendemos ali uma lição fundamental, quando ainda éramos pequenos. A falta de disciplina jogou contra nós. Buscamos coisas novas, dedicamos energia para a expansão, sem pensar em fazer o básico bem feito.”
Daniel Scandian
Os três foram para a reunião de Conselho com a expectativa de um novo bridge, capital que ajudasse a dar fôlego para os próximos meses. Mas os investidores não colocariam mais um real. Eles saíram atordoados da reunião.
Com o caixa que tinham, a empresa teria mais dois meses de vida.
Depois de meia hora conversando, Marcelo e Daniel encontraram Robson sentado em um posto de gasolina olhando para o nada. Parecia que o jogo chegava ao fim.
“Na verdade, eu só pensava: como nós vamos sair dessa? Não temos muito tempo. O caixa dava para dois meses. O que nós vamos fazer?”
Robson Privado
Ali, os três traçaram um plano. Marcelo teria que reduzir as despesas em R$ 100 mil. Daniel precisaria achar, de qualquer maneira, R$ 2 milhões, seja com bancos, outros fundos ou anjos. E Robson tinha um mês para colocar a MadeiraMadeira nos maiores marketplaces do país como Ponto Frio, B2W e Walmart.
Cada um saiu para um lado, sabendo exatamente o que precisava fazer.
Nesse momento, os três ativaram o modo sobrevivência, que sempre guiou a estratégia da MadeiraMadeira. Nesse modo, cada real conta, cada dia vale uma vida e cada esforço é feito em uma única direção.
Press Start to Continue
Os investidores não acreditaram. Em dois meses, eles conseguiram reduzir em R$ 150 mil as despesas, lançaram a integração com os marketplaces – com um time de apenas 4 pessoas – e nem precisaram dos R$ 2 milhões para equilibrar os Unit Economics.
Em cinco meses, começaram a gerar caixa. No ano seguinte, o EBITDA ficou positivo.
O lançamento nos marketplaces foi o grande divisor de águas para o crescimento da MadeiraMadeira. Os móveis do site passaram ser vendidos também em grandes sites do país como Magazine Luiza, Submarino e Americanas.com. Somado a ele, o modelo de geração de caixa garantiu que eles pudessem crescer sem precisar consumir mais dinheiro.
Nos e-commerces tradicionais, o crescimento vem com o Efeito Tesoura: quanto mais você cresce, mais precisa de capital para continuar crescendo por conta da necessidade de estoque. Com o dropshipping, o pagamento dos fornecedores é feito à prazo, mas o recebimento dos clientes pode ser à vista.
Assim, eles puderam pisar no acelerador. Com a promessa de que nunca mais dependeriam de capital externo para manter a operação. O investimento viria só para sustentar o crescimento e não garantir a sobrevivência. Foi assim em 2017 na série C com o Grupo JCR e, em 2019, com o aporte de US$ 110 milhões liderado pelo Softbank.
Mais recentemente, eles anunciaram também o lançamento da Bulkylog, uma unidade de negócios responsável por gerenciar a operação logística diminuindo em pelo menos 67% o tempo de entrega dos móveis, de 15 para 5 dias.
Infinite game
As notícias podem enganar. Com um aporte dessa dimensão, liderando o mercado e crescendo a taxas maiores que 75% ao ano, pode até parecer que o jogo está ganho. Mas para os três empreendedores não existe uma linha de chegada ou um oponente a ser vencido. A verdadeira batalha é consigo mesmo.
O sonho por trás da MadeiraMadeira é ser uma super plataforma de produtos e serviços para casa. Na pirâmide das necessidades, os três decidiram começar com a fundação, literalmente. Dar acesso a móveis de qualidade por um preço justo é uma forma de ajudar as pessoas a construírem a base de onde cada um parte toda manhã: a própria casa. Assim, podem avançar para buscar outras necessidades de realização pessoal.
“A gente vai mudar a indústria de móveis no Brasil! Não vai ter mais produto porcaria. Vai ser mais fácil de instalar, assim a pessoa que não tem dinheiro para contratar o instalador pode fazer sozinha sem quebrar o móvel.”, explica Marcelo.
Hoje, são mais de 1 milhão de produtos oferecidos por um modelo que é híbrido de e-commerce e marketplace e um time que conta com mais de 800 pessoas.
Grandes aportes, números e taxas de crescimento são apenas o resultado, não a causa do sucesso. A resposta desse crescimento está no próprio jogo.
Uma causa justa: a crença de que todas as pessoas merecem se sentir em casa.
Lideranças corajosas capazes de fazer sacrifícios pessoais para o seu propósito avançar.
Times confiantes sem medo do erro ou do fracasso.
Competidores à altura que os provocam a ser cada vez melhores.
E, ainda, um playbook flexível em que tudo pode mudar: o modelo de negócio, o time, a cidade, até a plataforma, mas não os valores mais fundamentais.
Essa combinação somada à resiliência, paixão e humildade que sempre orientou a MadeiraMadeira levou Daniel, Marcelo e Robson a Istambul, na Turquia, para a última etapa do Processo Internacional de Seleção da Endeavor.
Depois de uma série de entrevistas com mentores do mundo inteiro, os três foram honrosamente selecionados como os mais novos Empreendedores Endeavor no Brasil. Em Curitiba, no Brasil e por toda a América Latina, eles são exemplos de que empreender é um jogo sem fim, se você se manter na arena, disposto a jogar.
“Chega de termos exemplos de quem pega atalhos no Brasil. Nós precisamos de exemplos que inspiram de verdade. Temos capital e oportunidade, portanto, é nossa obrigação puxar esse bonde.”
Daniel Scandian
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