Publicado em: 02 de junho, 2020

Laís Grilletti

Laís Grilletti

Eles planejavam criar um negócio global de software em meio à bolha da internet. Assim nasceu a VTEX.

Há exatos 20 anos, Geraldo Thomaz e Mariano Gomide se viam no futuro. Eles queriam fazer parte de algo grande que, naquele momento, ainda estava sendo formado: a internet. Construir uma empresa global de software nascida no Brasil era o sonho, forte o suficiente para superar os primeiros anos mais difíceis do negócio. Mas o que parecia impensado na época, hoje é realidade e exemplo para toda a indústria. 

A VTEX é o maior player de e-commerce da América Latina, com mais de 2.500 clientes em 28 países — e planos de consolidar os mercados da Europa e dos Estados Unidos. Conheça aqui a história e ambição que fazem de Geraldo e Mariano os mais novos Empreendedores Endeavor. 

Era junho do ano 2000. Geraldo Thomaz e Mariano Gomide tinham acabado de se formar em Engenharia Mecânica na UFRJ. De lá, tinham um mantra que orientava o sonho, desde o dia 1: “Se você quer ser alguém, você precisa fazer parte da formação de algo“. 

Os dois estavam diante do grande boom de negócios de internet. 

Jack Welch afirmava que a internet era o evento mais importante do mundo, desde a Revolução Industrial. O índice da bolsa de Nasdaq saiu de menos 1.000 pontos para mais de 5.000 em 5 anos. A cada US$ 10 de Venture Capital, US$ 4 iam para negócios digitais. Definitivamente, a internet era esse “algo sendo formado” que os dois tanto buscavam. Conhecidos da faculdade, colegas de estágio no Banco Icatu, mas amigos de verdade pelas viagens de caça submarina, os dois decidiram criar um negócio digital, a VTEX.

A ideia nasceu do problema vivido pelo sogro de Geraldo na época. Dono de uma pequena confecção em Macaé, ele precisava pegar o carro todo mês e ir até São Paulo, de fábrica em fábrica, para retirar os pedidos, voltar para a confecção e, então, fazer as entregas. Os dois empreendedores olharam para esse desafio, repetido todo mês, e ficaram com uma inquietação: não é possível que não dê para fazer isso usando a internet?

Em 5 de junho daquele ano, nascia a Vitrine Têxtil, um CRM para automação da força de vendas desse setor. Dois meses depois, a bolha estourou. 

Diversas empresas foram à falência, a maioria teve suas ações desvalorizadas e Nasdaq sofreu uma queda abrupta em questão de meses. Para piorar, na época, a indústria têxtil era repleta de distorções fiscais. Com medo de exposição, os negócios não tinham interesse em colocar seus dados na internet. Por isso, nos primeiros anos, a VTEX amargava para conseguir mais do que dois ou três clientes. O faturamento mensal não passava de R$ 4.100, e ainda precisava ser dividido entre os dois empreendedores e os programadores. 

Mariano Gomide

“A gente chegava a fazer conta na física para saber se valia a pena comprar água mineral na esquina ou se bebia no escritório.”

Diversos motivos para desistir, a decisão de continuar

Várias foram as vezes que Mariano e Geraldo tinham razões suficientes para desistir da VTEX. Uma delas, a mais simbólica, aconteceu no fim de 2003, quando os dois foram para São Paulo participar da reunião de Conselho de um potencial cliente. Eles tinham feito um combinado, com aperto de mão: se aquele contrato não fosse fechado, no dia seguinte, quando estivessem de volta ao Rio de Janeiro, fechariam a VTEX e voltariam para o mercado financeiro. 

Na reunião, a resposta foi negativa. Parecia, então, o fim da VTEX. Já no aeroporto, enquanto jantavam, em uma mesinha que Mariano nunca mais vai esquecer, receberam uma ligação do presidente do Conselho. Eles tinham revisto a decisão e queriam que os dois voltassem para assinar o contrato.

A situação era tão difícil que eles não tinham dinheiro para remarcar as duas passagens. Geraldo embarcou e Mariano precisou voltar depois de ônibus para o Rio. Ninguém sabe o que teria sido do mercado financeiro se aquele contrato não fosse assinado e os dois voltassem a trabalhar. E ninguém nunca saberá porque aquele episódio era um voto de fé suficiente para a VTEX continuar.

O Day1 da VTEX

Nesses primeiros anos, os resultados ondulavam do vermelho ao azul, com muito trabalho, mas pouco faturamento. Enquanto seus amigos já despontavam com grandes bônus e salários, os dois não tinham dinheiro para o cinema. O que eles repararam, porém, nesse caminho é que, sempre que precisavam de dinheiro rápido, aceitavam propostas para construção de um e-commerce. 

Em 2001, por exemplo, foram responsáveis por estruturar a engenharia por trás da SACK’S que dava seus primeiros passos no digital. Estava ali, depois do boom da internet, a “formação de algo novo” do qual a VTEX poderia fazer parte. Em 2007, com esse novo posicionamento de solução de e-commerce, já distantes do mercado têxtil desde 2004, os empreendedores decidiram entrar em três concorrências para construir a plataforma de venda online de algumas empresas, entre elas, o Walmart. Um contrato daqueles fechado valeria os últimos seis anos de faturamento. E eles ganharam os três.

Aquele foi o Day1 da VTEX.

Passada a comemoração, começou a loucura para entregar. Os empreendedores se dividiram, aumentaram o time e, desde então, não pararam de crescer. Em 2008, foram 4 clientes. Em 2009, 32. Já 2010, chegaram em 117 clientes e 2011 em 232. Depois disso, perderam a conta, tamanha escala que ganhou o negócio. 

“Montar uma empresa é pilotar fórmula 1 na chuva, você pode planejar, mas o que importa é saber reagir rápido.”

Geraldo Thomaz

O faturamento vindo desses grandes contratos era investido no produto, mas também na aquisição de outros players com produtos complementares. Já foram mais de sete empresas, entre elas, a Loja Integrada, a Ciashop, a UniteU e, mais recentemente, duas startups: a dLieve, de logística e a Biggy, especializada em inteligência artificial. Tudo isso para concretizar a visão de oferecer uma solução “world class” em e-commerce para além do software. 

Alargando fronteiras para criar uma empresa global

Em 2011, portanto, era hora de dar o primeiro passo dessa expansão global. De modo estratégico, havia uma oportunidade de levar a solução para outros países da América Latina que viviam o boom do e-commerce anos depois do Brasil. Sendo assim, vender uma solução para a Argentina, o Chile ou a Colômbia era mais fácil quando eles já tinham cases como o do Walmart para contar. Porém, a decisão foi mais do que um passo estratégico por oportunidade. Ela era parte de um sonho que existia desde o primeiro dia da VTEX, há 20 anos. Mariano e Geraldo sempre falaram em construir uma empresa global.

“A gente nasceu em um Brasil que não tinha máquina de Coca-Cola. E isso é muito simbólico porque essa máquina representa estabilidade de moeda e abertura de mercado.”, conta Mariano.

“Ouvimos várias vezes que estávamos loucos em querer fazer uma empresa global de software no Brasil. Mas a gente tinha uma convicção enorme de que iria conseguir.”

Mariano Gomide

Em abril de 2012, o investimento da Naspers foi impulso para a internacionalização. Assim, a primeira grande onda de expansão esteve focada na América Latina, começando por Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Nesses países, a afinidade cultural e a baixa competitividade tornavam as empresas brasileiras referências no mercado de comércio eletrônico. Para isso, a estratégia passava por ter uma pequena operação local focada em vendas, mas centralizar a implementação no Brasil.

Nesse caminho de consolidação, naquele mesmo ano, nasceu o VTEX DAY. Dessa forma, o que era para ser um evento de networking para profissionais de e-commerce, que reuniu 400 pessoas no primeiro ano, tornou-se o maior evento da América Latina e o terceiro maior do mundo ocidental. Ano passado, recebeu mais de 20 mil pessoas vindas de 20 países do mundo. 

Três anos depois, com faturamento que já chegava a R$ 44 milhões, a participação da Naspers foi comprada pela Riverwood Capital. Desde então, como conta Mariano, “a empresa explodiu”. No ano passado, já presente em 28 países, o Softbank, ao lado do Gávea Investimentos e do Constellation, fizeram um aporte de US$ 140 milhões para acelerar a expansão global. 

Com esse capital, o objetivo é consolidar sua atuação na Europa e nos Estados Unidos, descentralizando a receita do mercado brasileiro que hoje representa 70% do total. Dessa forma, a necessidade de digitalização, acelerada pela Covid-19, tem tornado a VTEX decisiva para o crescimento do varejo ao redor do mundo. A expectativa em 2020 é que o faturamento chegue a R$ 350 milhões com um time que já ultrapassou as 600 pessoas. 

Hoje, a solução da VTEX é de comércio unificado, na qual todas as experiências de consumo são integradas: lojas físicas, e-commerces, marketplaces e até vendas B2B.

Nós sempre tivemos uma visão compartilhada de futuro. A gente se vê nesse futuro. Dessa forma, no business plan de 2000 já estava escrito que seríamos um software como serviço.”, lembra Geraldo.

“Hoje, nós dizemos, com convicção, que seremos uma empresa global nascida no Brasil. Quando você tem clareza disso, qualquer decisão que parece loucura está bem justificada.” 

Geraldo Thomaz

A história de Geraldo Thomaz e Mariano Gomide não deixa dúvidas de que os dois são capazes de criar uma das maiores empresas do Brasil. Assim, a VTEX é, hoje, referência na digitalização do varejo e uma das scale-ups brasileiras de maior sucesso em sua expansão global. Parte desse sucesso está muito presente no mindset de aprendizado dos empreendedores. Geraldo explica que “a resiliência, ao longo do tempo, não vem de dar murro em ponta de faca. É uma resiliência em que a gente checava, o tempo todo, se estava aprendendo.”

A jornada faz muito sentido porque conseguimos olhar para nós mesmos de dois anos atrás e ver o quanto evoluímos.” 

Geraldo Thomaz

Mas, além de referências na construção de um grande negócio, Geraldo e Mariano têm potencial também de serem grandes exemplos para o Brasil. A visão de futuro dos dois é tão clara que é capaz de mudar a régua de ambição de qualquer negócio nascido hoje. 

Mariano Gomide

“Nós queremos que o mundo admire o Brasil pela soluções que somos capazes de criar.”

Por essa combinação única de grande negócio e grandes empreendedores, os dois foram reconhecidos, em abril, como os mais novos Empreendedores Endeavor. O simbolismo da seleção esteve presente, inclusive, no formato do evento. Há mais de 20 anos, a Endeavor realiza o último painel do processo seletivo em um dos 35 países nos quais está presente. Mas, em resposta ao distanciamento social, o 93º International Selection Panel foi, pela primeira vez, virtual.

Agora, como parte da maior plataforma de crescimento e giveback para empreendedores do mundo, os dois têm, por um lado, suporte nesse próximo passo da expansão, mas, também, espaço para contribuir com o ecossistema por meio de mentorias que aceleram o crescimento de uma nova geração de scale-ups, com desafios semelhantes ao que já enfrentaram antes.

O negócio de uma vida

Não é possível capturar a essência que existe em histórias assim, de resiliência, sonho e clareza da visão, se olharmos pelo retrovisor do ponto em que estamos. Quando já existem números e evidências que comprovam o sucesso do que foi construído, é mais fácil acreditar que as decisões tomadas no passado foram as melhores. 

Mas, no processo de “fazer parte da formação de algo”, sobram dúvidas e falta solidez embaixo dos pés. Nesse momento, há somente uma convicção quase irracional, como contam os empreendedores, e uma capacidade de se ver no futuro com tamanha clareza que o esforço ganha uma nova dimensão. Essa é a diferença, portanto, de construir um negócio ou uma história de vida.

“O que são alguns anos dando errado, se você tem certeza de que vai fazer uma empresa de software global? Em algum momento, você vai olhar para trás e ter uma realização feita. Então não é um tempo grande. É isso que vale a jornada.”

Geraldo Thomaz

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