Publicado em: 06 de julho, 2020
Laís Grilletti

Marcelo Lombardo é um dos protagonistas do ecossistema de softwares no Brasil. Depois de empreender por 13 anos uma empresa que fez parte da primeira geração de ERPs brasileiros, criou a Omie, focada em um software de gestão para pequenas empresas. Hoje, ele cria também um novo ecossistema de negócios que envolve contadores e empreendedores para fomentar o crescimento das PMEs brasileiras.

Os balconistas da Santa Efigênia já conheciam Marcelo. Aos 16 anos, seu maior hobby era ir de loja em loja, fazendo cotação de componentes eletrônicos para construir algo novo. Ainda pequeno, adorava montar e desmontar os eletrônicos da família. Chegava até a encontrar o presente dos pais, abrir sem rasgar o embrulho, desmontar tudo, montar de novo e ainda fazer cara de surpresa na noite de Natal. Por pouco, não criou a concorrente da Gradiente, de tanto montar equipamentos de som para os amigos. Estudava por conta própria Eletrônica com livros, revistas e kits comprados na banca de jornal, e fazia dinheiro consertando TVs e rádios.

Essa paixão por eletrônica ou levou a estudar na Federal de São Paulo, durante o Ensino Médio. Mas as aulas não passavam de repetições do que ele já tinha aprendido nos materiais que lia. Em paralelo, começou um estágio na Itautec para trabalhar com Hardware mas acabou sendo puxado pelo Software, desenvolvendo um sistema para controlar os chamados dos clientes. Mas, com o tempo, acabou fazendo muito mais. Criou um sistema para controlar o estoque de peças das assistências técnicas, depois um para faturamento, para cobrança… Até o fim do estágio já tinha criado todo o sistema de gestão da assistência técnica. No ano seguinte, já estava vendendo também para os clientes da corporação.

Não demorou muito para Marcelo sair e empreender. Nessa época, ERP ainda era uma sigla desconhecida, e Marcelo vendia sua solução como Sistemas Integrados. O negócio deu tão certo que, no início dos anos 2000, recebeu a primeira rodada de investimento no valor de R$ 1 milhão por um grande grupo industrial. Um dos primeiros casos de Corporate Venture Capital da década. Naquele momento, vinte anos atrás, Marcelo enxergou que os softwares poderiam ser vendidos na nuvem, no modelo ASP, Application Service Provider, o primo mais velho do SaaS.

Mas, como ele mesmo diz, “timing is a bitch”. Marcelo teve a ideia certa no momento errado. Enquanto tentava convencer as empresas a pagar um valor mensal pelo uso do software, os clientes se preocupavam em construir seus próprios data centers. Eles queriam mandar um dado pelo sistema e ver a luzinha do HD do servidor piscando ali ao lado. Eram outros tempos, pré-AWS. E, por essa razão, Marcelo passou a vender o modelo On Premise, focado em grandes clientes, como o restante do mercado fazia.

“Naquela época, se o cliente não tinha menos de R$ 200 mil reais para implementar o software, a gente não saia da cadeira. Hoje, por R$ 200 reais, atravessamos a cidade.”

Marcelo Lombardo, fundador da Omie

Ao longo dos anos, o negócio foi se associando a outros, ganhando também novos sócios. Até que, em 2009, Marcelo foi convidado a assumir como diretor Comercial da empresa. Até então, ele era a pessoa de Produto e Tecnologia. Sempre foi. Mas, para fazer a reviravolta que tanto enxergava necessária, precisaria assumir a linha de frente. O empreendedor conta que nunca estudou tanto na vida, como nessa época. “Eu sempre desconfiei que Vendas não era arte, era ciência. Você não escala um negócio que é arte. Demos a partida em janeiro de 2010.”

“Estudei pra caramba, troquei 90% da equipe e, naquele ano, vendemos mais do que os 3 anos anteriores juntos.”

Marcelo Lombardo, fundador da Omie

Ali Marcelo aprendeu o playbook que usaria no futuro para escalar a Omie. Apesar do sucesso financeiro trazer um respiro, as contas da empresa não costumavam fugir da linha entre o vermelho e o azul. O mercado Enterprise saturou muito rápido. Com a chegada de concorrentes multinacionais, aquela era uma conta de soma zero: Marcelo só conseguiria um novo cliente se outra empresa o perdesse.

Para sair do amarelo era preciso investir

Nesse período, ele começou a observar uma mudança no mercado. As exigências fiscais do governo ficavam cada vez maiores para diferentes tipos de empresas. Com o tempo, os pequenos negócios tinham a mesma necessidade dos grandes, porém sem mão de obra qualificada, nem sistemas de gestão.

E se eles começassem a navegar por um novo mercado das PMEs?

Marcelo querida dar uma chance a essa ideia. Para isso, reuniu as 10 melhores pessoas da empresa em uma sala para desenvolver um novo produto.

“Meu coração estava naquela sala. Ali eu fazia o que mais gostava, e sabia que nossa grande força era: produto, produto, produto.”

Marcelo Lombardo, Omie

Durante esse período de teste de hipóteses, Marcelo foi em uma pequena empresa conhecer quem cuidava do Financeiro. No monitor, a analista tinha uma série de post-its colados. Aquelas eram todas as contas a pagar do mês. Toda vez que eram pagas, ela mudava o post-it de um lado para o outro. No fim, trazia todos de volta para repetir o processo no mês seguinte.

Esse modelo de trabalho inspirou a interface da Omie, que se assemelha – até hoje – a um quadro de Kanban.

Mas para chegar lá, foi preciso uma mudança de rota. No fim de 2013, surgiu a possibilidade de venda da NewAge, a primeira empresa de Marcelo, para um grupo multinacional. O empreendedor topou na hora com uma condição: levaria com ele aquela ideia como parte do pagamento.

Do spin-off em outubro de 2013, nasceu a Omie.

As vendas estão acabando com o caixa

No início, Marcelo acreditava que tudo que faltava para as PMEs era um sistema de gestão. Mas, com o tempo, entendeu que os pequenos empreendedores nem sentiam a necessidade de um software porque não olhavam para gestão.

Seu maior concorrente não chegava a ser o Excel, mas sim a Tilibra já que todos os números eram controlados no caderninho.

Para piorar, o mercado de softwares para PMEs na nuvem ganhou 100 novos concorrentes da noite para o dia. E, por consequência, todo mundo usava os mesmos canais digitais para atração de leads. O resultado é que os canais ficaram saturados. Palavras compradas no Google Adwords como “planilha de fluxo de caixa” que custavam R$ 1 o clique, chegaram a custar R$ 37.

O payback de 3 meses foi para 30 meses porque o CAC (custo de aquisição de clientes) foi nas alturas.

Mas, como ensina a cartilha, se o Lifetime Value dos clientes é longo, a conta pode fechar. O problema é que o payback era de 30 meses, mas boa parte dos clientes cancelavam com 10. Dessa forma, quanto mais as vendas aumentavam, mais crescia a dívida da empresa.

Analisando o comportamento dos clientes, Marcelo encontrou um nicho que pagava em dia e usava com frequência o software. Decidiu ligar para entender melhor quem eram. Na conversa, descobriu que o contador tinha indicado o software para seus clientes que usavam com mais assiduidade que qualquer outra segmentação.

Fazia todo sentido.

Quando o cliente usa o software da Omie, o custo de atendimento dos contadores cai em 80%.

Para testar a hipótese, Marcelo montou um estande no evento do Conselho Regional de Contabilidade. Saiu de lá com vários contratos assinados. Nesse mesmo período, tinha acabado de receber sua primeira rodada pela Astella Investimentos, então era só estourar a champanhe para comemorar.

Dez dias se passaram, mas nada aconteceu. Ninguém estava usando o software. Marcelo decidiu ligar para os contadores para entender o que tinha acontecido. “Semana que vem eu instalo e coloco 10 clientes, pode deixar.”. Passado esse período, nada. Marcelo descobriu ali que os contadores não tinham tempo de vender nem o próprio serviço, muito menos o software de alguém.

“É como sair fazendo furo no chão procurando petróleo. Saiu óleo, aí você gasta todo dinheiro do investidor para construir uma torre de extração. Mas você nunca sabe se atingiu um balão de óleo ou uma grande reserva.”

Marcelo Lombardo, citando Jacco Van der Kooji

Nesse momento, Marcelo fez uma proposta aos contadores: me dá sua lista de clientes e eu vendo o software por você. Funcionou. Eles deram e Marcelo começou a escalar, enxergando, de forma inédita no mercado, os contadores como canais de vendas.

Naquele ponto, em 2014, o dinheiro do investimento estava sendo consumido pela estratégia digital. Quando Marcelo sentou com Edson Rigonatti, seu investidor e Mentor Endeavor, tinha apenas seis meses de caixa. Se continuasse com as duas estratégias, faria as duas de forma mediana.

Era preciso escolher apenas um canal e colocar All In. Assim, Marcelo decidiu jogar contra o playbook e apostou no canal mais novo e completamente desconhecido de contadores.

“Foi uma das decisões mais difíceis que tomamos. Poderíamos acabar antes mesmo de começar. Eu já tinha vivido em um mercado consolidado no qual nós não estávamos nem entre os 5 maiores. Nós perdemos o jogo anterior. Mas aquele jogo eu não ia perder.”, conta Marcelo.

E, de fato, a estratégia funcionou. Em 2015, depois de uma nova rodada liderada pela Astella com participação de outros fundos, chegaram em 300 contadores. No ano seguinte já eram mais de 5.800. Hoje, já são mais de 40 mil clientes de todo Brasil, a partir de uma estratégia combinada de Inside Sales e franquias regionais.

O que Marcelo percebeu é que um paulista falando por Skype com um mineiro não converte tão bem como alguém abordando esse cliente regionalmente. Por isso, o caminho de escala da Omie passou também pela criação de franquias.

Hoje, a Omie é a maior rede de softwares da América Latina com quase 800 pessoas no time, entre as franquias e a sede em São Paulo.

A zona de conforto

Em 2017, Marcelo foi convidado a participar do Scale-Up Fintech, sendo apadrinhado pelo Martín Escobari, mentor Endeavor da General Atlantic.

“Eu estava quase entrando na minha zona de conforto. A Endeavor me ajudou a sair dela.”

Marcelo Lombardo

Nesse momento, a estratégia de contadores já tinha dado certo, a Omie tinha acabado de fazer sua rodada seed no valor de R$ 2,5 milhões, o fluxo de caixa estava positivo e o crescimento era de três dígitos.

“Na primeira conversa com o Martín, ele olhava meus números e perguntava: esse dado é real? É sim. E esse é real? Sim. Me explica esse aqui.

Se isso tudo é verdade, por que você não põe R$ 10 milhões em vendas agora mesmo?

Saí da conversa me sentindo um idiota.”

Ali Marcelo compreendeu que tinha um ótimo modelo, mas que poderia ser superado a qualquer momento por outro competidor mais capitalizado. Nesse momento, em 2017, decidiu fazer uma nova rodada. E seus maiores medos se concretizaram.

A realidade é que os principais fundos do mercado já tinham se conectado com seus concorrentes. A Omie vivia aquele momento em que o cheque necessário era grande para o mercado nacional, mas pequeno demais para investidores estrangeiros. Levou mais de um ano para realizar a captação, em uma experiência desgastante para Marcelo e seu time.

“Percebi naquele momento que precisava dedicar uma agenda maior a Investimentos, me abrindo para o ecossistema. Falar com os investidores só no momento em que você precisa captar é como pedir em casamento no primeiro encontro.”

A rodada foi longa, mas Marcelo conseguiu. No último minuto, quando Marcelo já contava com três term sheets na mão, Edson Rigonatti captou o dinheiro para realizar a série A da Omie pela Astella. Com os relacionamentos construídos, a série B foi mais rápida. Em abril de 2019, a Omie captou US$ 20 milhões com o Riverwood Capital.

De lá para cá, o sonho tem sido ainda maior. Marcelo conta que abre toda reunião na Omie relembrando onde querem chegar. Sendo a maior e mais relevante empresa de software brasileira. Esse é um sonho em que cada palavra importa.

Mais relevante significa ajudar PMEs do Brasil inteiro a crescer.

“Nosso propósito é fazer esses empreendedores continuarem crescendo. Só 44 mil empresas faturam mais de R$ 30 milhões ao ano. Esse número cresce 0,2% de um ano para o outro. É muito pouco. Nosso objetivo é que ele cresça muito mais.”

Se isso acontecer, ser a maior do Brasil será uma consequência. Dessa forma, o crescimento da Omie também significa o crescimento de todo ecossistema de negócios do Brasil. Por essa razão, Marcelo Lombardo foi reconhecido, no último Painel Internacional de Seleção da Endeavor, na Arábia Saudita como um dos mais novos Empreendedores Endeavor brasileiros.

Na prática, significa que ele terá o apoio de mais de 3.000 mentores da nossa rede global para ajudar com os desafios de crescimento da Omie. E, em muitos casos, fazer o que Martín Escobari fez naquela primeira mentoria: não permitir que Marcelo entre na zona de conforto para que o sonho fique cada vez maior.

Publicação Original


0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder