* Por Marcell Almeida
Já vi muita gente quebrando a cabeça quando o tema é a ruptura entre o jeito mais tradicional de ‘funcionar’ e o mindset de produto. Se você me perguntar se é possível transformar uma empresa tradicional em uma startup, eu te respondo: ‘Sim é possível, mas trabalhoso’.
Você tem um legado de processos e pessoas que estão acostumadas a fazer as coisas à moda antiga. Precisa provar para elas que o novo modelo proporciona mais resultados e adaptá-las a ele. Mudar toda uma cultura nunca é simples. Mas temos exemplos de que não é impossível.
O Magalu era uma empresa de varejo comum e, hoje, é uma das empresas que mais investe em tecnologia no Brasil. O Mercado Livre, da Argentina, expandiu de maneira absurda. Deixou de ser só marketplace comum e além de melhorar muito os seus serviços ainda criou com o Mercado Pago, e entrou com tudo em plataforma de pagamentos e maquininha.
Uma boa forma de começar a mergulhar neste assunto é entender o que sustenta esse jeito diferente de pensar e fazer as coisas do mundo das startups. Dúvidas básicas:
O que é mindset de produto?
Para começar, tudo precisa ser considerado uma hipótese e que ninguém está 100% certo. Partimos sempre dessa premissa e a partir da hipótese vamos aplicar uma série de testes para ver se faz sentido seguir por esse caminho, ou não.
Em uma empresa mais tradicional, o erro não é bem visto. Ela se baseia na noção binária de erro e acerto. Claro que existem erros e acertos, mas é muito mais do que isso. Temos 20 ideias aqui e vamos ver qual é a que tem mais chance de impactar na nossa métrica, discutir o que priorizar e testar essa hipótese.
E se der errado?
Se a hipótese der errado, não quer dizer que você errou ou que outra pessoa que deu a ideia está errada. Há aprendizado nisso. Muitas vezes, o que você aprende em uma hipótese que falhou será aplicado em um próximo teste. Com mais experiência acumulada, as chances de acerto aumentam. É, na verdade, o acúmulo de aprendizados que acabam fazendo com que você chegue mais longe com o seu produto e crie algo diferenciado.
Então, falhar uma hipótese, por um lado, é muito bom porque fornece aprendizados e você ajusta o seu roteiro e a direção.
Tem a ver com a transformação digital?
Transformação digital é uma série de coisas: colocar o digital como prioridade, usar as tecnologias mais modernas, se organizar de maneira diferente e mudar parte da cabeça e cultura. Produto também é uma dessas camadas.
Antigamente, quando se fazia produtos não digitais, e sim produtos físicos, por exemplo, o ciclo de feedback era muito lento. Imagine um projeto de garrafa de plástico. Vou produzir mil garrafas e colocar no mercado; e só vou descobrir se está com defeito, se há problemas de logística, se ela é boa, se as pessoas vão gostar ou não, depois que eu produzir as mil e colocar no mercado. Veja quanto tempo demora para saber o que deu certo e errado para melhorar.
Mas, no software, posso lançar o produto, coloco no ar e rápido já tenho centenas, até milhares de pessoas me dando feedback. Já posso atualizar e lançar uma versão para essas mesmas pessoas. Isso é parte da transformação digital. Com esse ciclo de feedback rápido, dá tempo de alterar o que precisa ser alterado e, assim, melhorar o produto.
Dito tudo isso, no meu caso, já trabalhei numa empresa de mais 20 anos, que não estava passando exatamente por uma transformação digital. Mas tinha gente de outras épocas, nada acostumada com a mudança de mindset onde tudo era uma hipótese e de que o feedback loop precisava ser rápido. Era estranho alguém chegar no meio de uma demanda e falar: “Espera, isso aqui está errado”, descartar e fazer outra coisa. Isso gerou uma série de atritos. Eles tiveram de passar por um processo de virada de chave.
A transformação completa é um processo que pode levar anos. Quanto maior a empresa, mais tempo vai levar. Independentemente do porte, alguns passos são inevitáveis, pois eles é que vão garantir o sucesso.
Passo 1: Comece em uma área.
Avalie uma área que seja mais fácil implementar mudanças. Ela vai servir de exemplo, e será um motivador para as outras áreas fazerem o mesmo. Compartilhe os resultados conforme for evoluindo. Ou seja, comece devagar.
Passo 2: Alinhe as métricas.
Para quais indicadores e quais números a empresa está olhando? Todo mundo olhou para os mesmos números? Todos estão alinhados aos mesmos objetivos? Quando sim, daí já é possível pensar no que queremos construir. Talvez as pessoas mais tradicionais proponham: “vamos criar essa funcionalidade”, “vamos criar esse produto”, “vamos criar tal coisa”, e não é bem assim. Tudo é uma hipótese; sendo assim, a ideia é uma hipótese que ainda precisa ser validada ou não. Uma vez que os objetivos estejam alinhados, o ideal é fazer alguns testes para ver se vale a pena investir mais no método de trabalho.
Passo 3: Escolha os líderes a dedo.
É preciso haver líderes que tenham a agilidade de receber feedback para aprender, testar de novo e usar o aprendizado. Normalmente são pessoas vindas de startups pequenas ou empreendedoras. Não só da área de produto, mas também de engenharia e marketing, pois não adianta ter só pessoas de produto com esse mindset enquanto as outras áreas estão com outra forma de pensar e agir. Você vai ficar travado e não vai avançar.
Passo 4: Forme equipes alinhadas.
O mais importante é que as pessoas saibam trabalhar em conjunto, tenham o mindset de testar uma hipótese e que, daqui um mês, definam se continuam apostando nessa ideia ou não. O importante é estar sempre aprendendo e que todas as áreas estejam alinhadas com isso.
Passo 5: Saiba esperar.
Muitas vezes, as pessoas querem resultados imediatos. “Oh, você está gastando milhões a mais! A nossa margem está diminuindo, e os resultados?”. Demora, e se você não tiver essa paciência, pode estar cancelando essa iniciativa meses antes, ou um ano antes de emplacar. É preciso ter paciência, saber alocar o caixa da empresa e saber medir se está dando certo ou não.
Não é da noite para o dia. É um processo de anos, principalmente em uma empresa grande. Mais uma vez, a Magalu é um exemplo. Ela começou com uma área de tecnologia que tinha duas pessoas, e hoje é uma de suas maiores áreas.
* Marcell Almeida é CEO e cofundador da PM3, empresa referência em cursos de gestão de produto no Brasil que recentemente anunciou uma aquisição de participação relevante da companhia pelo Grupo Alura.
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