* Por Marilyn Hahn
O Brasil lidera a indústria de fintechs na América Latina. Além das inúmeras oportunidades criadas pelas novas diretrizes regulatórias dos últimos anos, o país ainda possui características econômicas, sociais e culturais que fortalecem o desenvolvimento de novos entrantes e atraem também players já consolidados globalmente.
Apesar do cenário macroeconômico incerto esperado para 2023, a expectativa é que esse mercado continue com ritmo de crescimento acelerado, principalmente no segmento de crédito – hoje essas fintechs já representam cerca de 20% do total do ecossistema. O próximo ano, porém, tende a ser bem mais desafiador do que o período dourado dos últimos quatro anos.
Portanto, descrevo a seguir os principais pontos de atenção para os agentes do setor:
Novas diretrizes regulatórias
A Resolução nº 246, que estabelece o teto de 0,7% na taxa de intercâmbio dos cartões pré-pagos, foi divulgada no dia 26 de setembro e entra em vigor a partir de 1º de abril de 2023. Como comentei no artigo, a resolução pode interferir em inúmeros modelos de negócio, comprometendo a rentabilidade e a estratégia em longo prazo de muitas fintechs, podendo até tirar algumas delas do mercado.
Outra novidade no campo regulatório serão as novas regras prudenciais para as instituições de pagamento. Ainda não se sabe exatamente como ficarão as novas diretrizes, porém, em resumo, as IPs terão que cumprir regras proporcionais ao seu porte e à sua complexidade, ou seja, seguir normas semelhantes aos bancos tradicionais. As novas regras entram em vigor em janeiro de 2023 e devem ser implementadas pelas empresas até 2025.
Por fim, é provável que vejamos finalmente a regulamentação dos criptoativos no próximo ano. Eventos recentes como o colapso da exchange FTX tem aquecido as discussões em torno da urgência de uma possível regulação e aprovação do Projeto de Lei nº 4.401/21 ainda em 2022. Entre outros pontos, o PL prevê a designação de um órgão fiscalizador para as exchanges, estabelecendo a obrigatoriedade de elas fazerem uma análise prévia dos ativos comercializados e o reporte detalhado à Receita Federal de todas as transações de seus clientes, independentemente do valor. Especialistas afirmam que, apesar de trazer maiores custos operacionais às corretoras, essas diretrizes podem gerar aumento dos valores dos ativos, pois proporcionam mais segurança ao mercado.
Segurança cibernética
O ambiente fértil em inovações foi primordial para o avanço das fintechs. Por meio de produtos como PIX e o Open Banking, novos entrantes aliaram tecnologia à velocidade de adequação, pegando uma fatia do mercado e competindo com grandes bancos. Porém, essas inovações trouxeram também a necessidade de novas camadas de segurança, times mais especializados, além de processos mais robustos.
O setor financeiro continua sendo um dos principais alvos de agentes de crimes cibernéticos, seguido dos setores de saúde, TI e energia. Segundo reportes da Febraban e da Pesquisa Tempest de Segurança, cinco em cada dez empresas financeiras sofrem algum incidente cibernético grave no ano, comparado a quatro em cada dez de outros setores da economia. Além disso, essas empresas investem em média R$ 1,8 milhão por ano em cibersegurança, mais do que o dobro do investimento de outros segmentos.
Entrar no mercado e competir com grandes players pode se tornar caro operacionalmente e demandar recursos e expertise que muitas fintechs menores não têm, principalmente no início da operação. O segredo é pesar esses custos dentro do potencial de escala do negócio, contar com parceiros estratégicos, fornecedores especializados e que possam acompanhar o amadurecimento da operação, além de investir em times com experiência em outras casas para compor a estratégia de risco.
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Prevenção e combate a fraudes
Não há desafio mais diário para as fintechs do que achar o equilíbrio entre uma experiência fluída e ao mesmo tempo segura. A expressão battle to onboard, ou batalha para o onboarding, nunca foi tão verdadeira quanto no cenário atual, em que de um lado temos consumidores exigindo mais facilidade e agilidade nos pagamentos e do outro o crescimento de golpes, phishing e demais fraudes que parecem triplicar a cada dia.
Assim como quando falamos de segurança cibernética, o cenário de combate a fraudes é extremamente sensível: optar por uma jornada menos segura, com menos informação em detrimento da segurança para diminuir o Custo de Aquisição por Cliente (CAC) já não é mais uma opção.
Além de perdas financeiras, as instituições começam a entrar no radar do Banco Central com o tema, principalmente em questões relacionadas ao PIX. Estima-se que ainda em 2022 o órgão anuncie mudanças com o objetivo de aperfeiçoar o rastreio das operações e minimizar fraudes e o uso de contas laranja.
Contratação e retenção de talentos
Que faltam profissionais de TI no mercado não é novidade. Encontrar talentos que tenham experiência no segmento financeiro e ao mesmo tempo perfil dinâmico de uma startup parece missão quase impossível.
Com a pandemia da covid-19, outro fato agrava a retenção e contratação desses profissionais: as fintechs estão competindo diretamente com empresas globais que muitas vezes oferecem salários em dólar ou euro.
Apesar da concorrência em termos financeiros, segundo pesquisa do Glassdoor realizada no ano passado, mais de 60% dos entrevistados alegaram considerar muito mais a satisfação pessoal do que o salário para ficar na empresa. Outra pesquisa apresentada também pelo Glassdoor este ano, The Rise of the Employee Voice (numa tradução livre: A Ascensão da Voz do Funcionário), reforça que os colaboradores buscam mais transparência nas relações com as empresas e que a reputação de onde estão trabalhando importa.
Desenvolver rapidamente uma cultura forte e trazer o time de forma intensa para perto do propósito da companhia por meio das suas atividades do dia a dia, é apenas uma das fórmulas para manter o engajamento. Investir em programas de sociedade e benefícios específicos como o anywhere office são outras formas de ganhar diferencial competitivo.
Cenário macroeconômico desafiador
A atual conjuntura política e econômica no mundo todo desafia a base de captação e a liquidez das fintechs. Inflação, alta de juros e investidores mais exigentes caracterizam o cenário.
Apesar disso, segundo a ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), os aportes de fundos de private equity e venture capital em empresas brasileiras chegaram a R$ 29,7 bilhões no terceiro trimestre deste ano – alta de 123% em relação ao mesmo período em 2021; o setor financeiro foi o que mais captou operações, com 22% do total.
Isso mostra que ainda há bastante espaço para negócios sustentáveis e em longo prazo: modelos mais sólidos e com pouca queima de caixa sairão na frente.
Os desafios para 2023 não são poucos, mas eles farão o mercado continuar inovando, reinventando-se e oferecendo soluções cada vez mais completas e seguras para os usuários finais. Acredito que o setor seguirá em expansão e as empresas que souberem surfar essa onda sairão do outro lado mais maduras e resilientes.
* Marilyn Hahn é cofundadora e COO do Bankly, plataforma de Banking as a Service com sua própria licença bancária
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