* Por Milena Mendes Grado e Aline Brito S. Souto Maior

Foram noticiadas, recentemente, disputas judiciais trabalhistas envolvendo atletas de e-sports. Os atletas buscaram indenização na Justiça do Trabalho objetivando o reconhecimento do vínculo empregatício com suas equipes.

O mercado de e-sports está em grande desenvolvimento, mas por ser relativamente novo enfrenta resistência na aplicação da legislação existente, as equipes não efetuam o registro dos atletas, muitos dos próprios atletas não tem consciência da importância da sua imagem para o seu desenvolvimento, alguns praticantes sequer reconhecem a modalidade como prática desportiva ou veem a modalidade sob uma perspectiva unicamente amadora. Há quem inclusive esteja aguardando norma específica para agir conforme a lei.

Adotou-se, exatamente, a mesma postura quando a Internet se tornou relevante para o grande público, vide Declaration of the Independence of Cyberspace, de John Barlow, de 24 anos atrás e cá estamos com Facebook, Edward Snowden, NSA, Marco Civil da Internet.

Não há dúvidas que o setor tenha suas especificidades, mas achar que as leis atuais não podem ser aplicadas em função dessas facetas, é jogar no lixo a hermenêutica jurídica.

Nesse sentido, é importante lembrar que a Confederação Brasileira de Desportos Eletrônicos está certificada como entidade conveniada à Secretaria Especial do Esporte, assim é possível entender que os e-sports devem ser considerados práticas desportivas e portanto, equipes, atletas, competições, formação de ligas devem aplicar por analogia a  Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé) e, consequentemente, a legislação trabalhista, de acordo com o que dispõe art. 28, §4º, dessa mesma Lei.

Além disso, é muito difícil afastar o profissionalismo com que a modalidade está organizada, principalmente, quando se trata de equipes. Basta olhar algumas páginas na Internet especializada para constatar.

Diante disso, é importante estar atento para as diversas áreas do direito que podem afetar as relações entre atletas, equipes, competições, patrocinadores, publishers:

Contratos de Trabalho

A relação das equipes com os jogadores, em sua maioria, são relações de emprego e, portanto, os contratos firmados por meio de pessoa jurídica com atletas ou até mesmo autorização para uso de imagem com o intuito de substituir um contrato de trabalho poderão ser desconsiderados.

Esses contratos de trabalho, no entanto, devem ser muito bem elaborados para evitar exatamente assunção de riscos desnecessários. Por exemplo, para evitar o pagamento de horas extras, é importante que haja uma definição entre o que são horas de lazer e horas à disposição do empregador. Nesse ambiente é comum que essas coisas se confundam.

Publicidade

É importante também alertar os atletas, especialmente, os streamers para as restrições determinadas para publicidade. No Brasil, a publicidade deve ser identificada como tal para não causar confusão nos consumidores. Nos Estados Unidos o FTC, Federal Trade Comission, aprovou novas regulações direcionadas a gamers e influencers para identificar publicidade paga.

Direitos Autorais

Ainda sobre os streamers, é preciso estar atento para os termos da licença do game, a princípio, as licenças não permitem autorização para performances públicas. Porém, alguns publishers já estão desenvolvendo termos acessórios que permitem esse tipo de performance, mas desde que não haja cobrança dos “telespectadores” e desde que não haja parceria comercial, com exceção da própria plataforma de streaming.

Há de se considerar, ainda, que os direitos autorais podem afetar os organizadores de eventos e competições. Em 2010, a Blizzard Entertainment entrou em disputa com a Associação Koreana de e-sports (KeSPA), uma vez que esta última organizava torneios de StarCraft sem prévia autorização. As partes tentaram negociar um acordo fora dos tribunais, mas sem sucesso. Assim, a Blizzard levou a disputa para o âmbito judicial e as partes acabaram fazendo um acordo judicial.

Direito de Arena – Lei Pelé

Sempre que se pensa em Direito de Arena, automaticamente, pensa-se em futebol. O Direito de Arena existe desde 1973, contudo jogadores profissionais de futebol só passaram a receber o montante após muita batalha judicial, 28 anos depois da criação do direito.

Vale lembrar que no futebol, alguns processos judiciais estão em curso e outros clubes foram obrigados a indenizar sindicato e consequentemente, jogadores por pagamentos não efetuados no passado.

A Lei Pelé (Lei n°9615/98) determina que os direitos de arena pertencem às entidades desportivas, cabendo a estas o repasse de 5% para sindicatos para distribuição entre os atletas que participaram do evento, salvo disposição em contrário. Os atletas de vôlei de praia, por exemplo, abrem mão desse pagamento contratualmente.

O direito está relacionado ao direito de imagem dos atletas e considerando que os e-sports são prática desportiva, não há razões para não haver o pagamento quando as competições da modalidade são transmitidas, porém, existe a possibilidade de o atleta abrir mão do valor a receber.

Projetos de lei conexos ao Esports

Atualmente, tramitam no congresso nacional três propostas de lei que buscam regular as especificidades jurídicas do ramo de e-sports e são as seguintes: PL nº 383/2017; o PL nº 3450/2015, e o PL nº 7747/2017.

Relevante destacar que os projetos nº 3450/2015, e o nº 7747/2017, ambos de titularidade da deputada Mariana Carvalho, tem como objetivo principal a adequação da Lei Pelé para inserir a prática de e-sports (Desporto Virtual) como modalidade desportiva formal, conforme consta nos artigos 2º e 3º de ambos os textos legais:

PL nº 3450/2015

Art. 2º O artigo 3º da Lei Federal nº 9.615/1998 fica acrescido do seguinte inciso V:

“Art. 3º (…)

5º – Desporto virtual, assim entendido jogos eletrônicos transcorridos individual ou coletivamente, contra a máquina ou em rede, como também a competição entre profissionais e amadores do gênero. (AC)”

PL nº 7747/2017

Art. 2º O artigo 3º da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, que institui as normas gerais sobre desporto, passa a vigorar acrescido da seguinte redação: “Art.3º (…)

§ 3º – Aplicam-se, também, a este artigo, o desporto virtual, assim entendido como jogos eletrônicos transcorridos individual ou coletivamente, contra a máquina ou em rede, bem como a competição entre profissionais e amadores do gênero.” (NR)

De outro lado, o projeto de lei sob nº 383/2017, é mais ambicioso e visa definir normas próprias para a atividade esportiva eletrônica, todavia, também é bastante polêmico por excluir em especial jogos violentos e outros da modalidade de esportes eletrônicos, de acordo com o que consta em art. 1º, § 2º acrescido via emenda nº 383/2017:

“§ 2º Não se considera esporte eletrônico a modalidade que se utilize de jogo com conteúdo violento, de cunho sexual, que propague mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que faça apologia ao uso de drogas.

No site do senado é possível notar por meio de pesquisa de opinião, que o projeto acima citado é extremamente impopular, visto que tem grande rejeição da sociedade:

Todavia, é evidente que a vedação de jogos violentos dentre outros citados no projeto, excluirá os principais players do mercado da proteção da legislação proposta, o que não parece ser coerente com o objetivo de regular os direitos vinculados ao setor de e-sports.

Portanto, crescimento exponencial da modalidade exige maiores cautelas legais. A falta de uma regulação específica não permite que se deixe de cumprir a lei e tomando conhecimento dos riscos, não há porque não buscar o cumprimento da legislação brasileira a fim de evitar desgaste desnecessário e perdas financeiras. É certo, além disso, que eventuais legislações específicas precisam da participação de todos os interessados para que estejam mais aderentes à realidade.


* Milena Mendes Grado é advogada, sócia do Vilela Coelho Propriedade Intelectual. Formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduada em Propriedade Intelectual pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Direito Eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e em Direito Processual Civil pela FADISP. Cursou, ainda, Extensão Universitária em Internet e Sociedade: Tecnologias e Políticas de Controle na Harvard Extension School. Certificada pela International Association of Privacy Professionals – IAPP/CIPP-US.

* Aline Brito S. Souto Maior é advogada, sócia do Vilela Coelho Propriedade Intelectual. Pós-graduanda em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento e Mídia pela Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB), Cursou, Extensão Universitária de Fashion Law, pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Atua há mais 15 (quinze) anos na área de Propriedade Intelectual e Industrial.

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