* Por Exame.com
Para a maioria dos brasileiros, comprar um imóvel será um momento único na vida — e as startups estão trabalhando duro para que ele seja o melhor possível. Ou, para os que não querem mais uma moradia fixa, que o processo de venda da residência ou a procura pelo aluguel perfeito sejam processos tão desburocratizados quanto pedir uma entrega por aplicativo. Em troca de suas ideias, esses negócios inovadores já conquistaram 4,4 bilhões de dólares nos últimos oito anos.
O avanço das startups já provocou mudanças significativas no mercado de varejo, instituições financeiras, mobilidade, alimentação, entre outros. Agora, chega ao mercado imobiliário e de construção civil para mudar a forma como pessoas compram, vendem e alugam imóveis. A inovação tardou a chegar ao mercado da construção por conta dos próprios desafios do setor. “As ondas de disrupção chegam primeiro ao setores mais fáceis de transformar. Depois, chegam a indústrias menos charmosas, mais velhas e resistentes”, diz Paulo Humberg, diretor da startup Key Cash e presidente da gestora de fundos para startups A5 Investimentos.
Empreender no mercado imobiliário também demanda mais capital e é uma empreitada menos escalável, já que depende muito de ativos físicos, os próprios prédios e casas, enquanto outros setores crescem facilmente com o avanço da tecnologia, como fintechs e comércio eletrônico. “Mesmo assim, o mercado imobiliário concentra os maiores ativos do mundo e tem contato com toda a população, já que todos moram em algum lugar”, diz ele.
O mercado global das chamadas construtechs, startups da construção e mercado imobiliário, já recebeu 4,4 bilhões de dólares em investimentos desde 2010, de acordo com levantamento do Pitchbook. Já no segmento de alimentação, foram 36,4 bilhões de dólares investidos e, em mobilidade, 70,5 bilhões de dólares.
A norte-americana Katerra é a maior do setor e recebeu em janeiro mais um aporte de 700 milhões de dólares do Softbank, avaliando a empresa em mais de 4 bilhões de dólares. Fundada por um ex-CEO da Tesla, ela atua no desenvolvimento de métodos de construção e usa componentes pré-fabricados para diminuir o tempo e custo da obra.
Oportunidades na crise
O surgimento de novas startups no mercado foi impulsionado pela crise econômica, que abalou principalmente o mercado imobiliário. Enquanto o mercado de construção estava em ascensão, a margem de lucro era muito grande, bem como o espaço para desperdício.
“Com a crise, a construção sofreu muito. As margens ficaram apertadas e deram lugar para a inovação“, diz George Lodygensky, analista de investimentos da Construtech Ventures, fundo voltado para o setor.
O surgimento de novas startups no setor chamou a atenção de investidores e de fundos de capital. Segundo o último mapeamento realizado pelo fundo, há mais de 560 construtechs no Brasil, a maior parte em São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais. No mundo, são cerca de 6 mil, 4 mil apenas nos Estados Unidos.
As novas startups atuam em áreas tão diversas quanto o próprio mercado, da inovação em materiais e métodos de construção à compra e venda dos imóveis. Como um setor pesado e burocrático, há inúmeros problemas e pontos de fricção – e, portanto, oportunidades para startups buscarem solucionar essas questões.
Ondas de inovação
As primeiras brasileiras surgiram atacando o problema de compra e venda de imóveis, que costuma ser uma experiência cheia de burocracia e de tensão.
“É uma transação de baixa recorrência para empresas, mas para o consumidor comprar um imóvel pode ser o negócio mais importante de sua vida. Por isso, transformar essa experiência traumática pode gerar mais valor para as empresas”, diz Lodygensky.
A pioneira no país é o Grupo Zap, que surgiu em 2017 com a fusão dos portais Zap, do Grupo Globo fundado em 2000, e VivaReal, detido por seus fundos de investimento e criado em 2009. “As startups tentam resolver desafios básicos do mercado, como digitalizar a venda e aluguel e diminuir a burocracia para melhorar a experiência do usuário”, diz Lucas Vargas, CEO do grupo.
Mensalmente, o grupo gera 4 milhões de contatos de interessados para 8 milhões de anúncios de imóveis e recebe 40 milhões de visitas. O grupo oferece também sistemas de gestão e de inteligência para corretores, para acompanhar melhor a jornada de um cliente.
Depois de digitalizar os anúncios, as empresas começaram a resolver a burocracia nesse processo. A KeyCash busca resolver a demora em comprar e vender um imóvel. A startup — inspirada na americana OpenDoor, que procura um investimento que a avalie em 3,7 bilhões de dólares — promete comprar um imóvel em apenas um mês e, depois, lidar com a venda.
A negociação acontece em cima de um cálculo feito com dados do mercado, sobre o valor real do imóvel. O cálculo leva em consideração a idade do prédio, se está perto de um metrô ou de escolas, as condições do imóvel e o histórico da região. Ao comprar rapidamente uma casa ou apartamento vazios, a empresa busca gerar liquidez no mercado. Em 2019, a expectativa é vender cerca de 120 apartamentos.
Para facilitar o processo de aluguel, foi criada a Quinto Andar, plataforma que dispensa fiador e seguro fiança. Citada pelo The New York Times como um dos 50 unicórnios do futuro, empresas com valor superior a 1 bilhão de dólares, a startup captou 250 milhões de reais em uma rodada de investimentos liderada pelo fundo americano General Atlantic, em novembro.
Os recursos serão usados para consolidar sua operação em outras cidades e estabelecer um sistema de parceria com as principais imobiliárias do país. A empresa está presente em São Paulo desde 2015 e iniciou a sua operação no Rio de Janeiro em 2018.
Para corretores
O aluguel ou compra e venda de um imóvel é um sufoco não apenas para os consumidores, mas também para corretores, pouco profissionalizados, com carteiras pequenas e com poucas vendas por ano.
A Homer busca facilitar o processo para os corretores de imóveis, eliminados da equação por algumas startups. A plataforma conecta corretores vendendo e comprando apartamentos, como um “Tinder” imobiliário.
Se o cliente de alguém busca um imóvel com varanda, piscina e três quartos em certa região da cidade, o sistema mostra todos os imóveis disponíveis na carteira de outros corretores. Assim, o corretor tem acesso a mais opções e pode fazer sugestões mais acertadas. O valor da comissão de venda é dividido igualmente entre os dois corretores.
Hoje, o cliente precisa entrar em contato com diversos corretores, que mandam muitas mensagens durante o dia com apartamentos que não se encaixam nos parâmetros ou faixa de preço que está buscando, o que cria obstáculos e tensão no processo.
“Com o Homer, trazemos ferramentas para melhorar o serviço e profissionalizar os corretores”, afirma a sócia-fundadora Lívia Rigueiral. Além do sistema de “match” entre corretores e imóveis, a Homer também realiza treinamentos e eventos.
A plataforma já tem 20 mil corretores cadastrados, com 1,4 bilhão de reais em potenciais vendas. A meta para 2019 é chegar a 100 mil cadastros, de aproximadamente 500 mil em todo o Brasil. A startup conta com o apoio e investimento da Ipanema Ventures.
Na reforma
Depois de comprar ou alugar, muitas vezes é necessário reformar. Pensando em facilitar o contato com profissionais como pedreiros, encanadores e pintores, Leôncio Neto criou a RenoveJá. A rede de franquias conecta o cliente a engenheiros, arquitetos e técnicos em edificações.
“Vi que muitas obras no Brasil ficavam inacabadas, sem muita tecnologia, com envolvimento de muitos profissionais e desperdício”, afirmou.
Por meio de franquias, a empresa oferece treinamentos e acesso a tecnologias de construção, como parede em drywall e spray de pintura. Em 2019, a empresa, que nasceu no Pernambuco, prevê expansão para o Sul e Sudeste e faturamento de 30 milhões de reais.
E o futuro?
As próximas ondas de inovação estão nos métodos de construção e na internet das coisas, segundo especialistas. É o caso da InovaHouse3D, brasileira que desenvolveu um método de impressão 3D para a construção. A máquina de impressão pode usar cimento para construir de forma mais rápida. Ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento, a empresa quer levantar sua primeira casa nos próximos anos.
Seja por meio de softwares ou por materiais tecnológicos, as construtechs avançam em presença e em investimentos — bloco a bloco.
* Por Karin Salomão, para Exame.com
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