* Por Amanda Gaspar, Elisa Feltran, Fabiana Stringini e Melissa Rossi 

No final do ano de 2018, um novo modelo de ciclo de transformação de relações humanas e socioambientais se iniciava internamente na Kyvo, uma consultoria global de inovação voltada a projetos corporativos. Isso foi feito em parceria com a Kaluanã Vida ao ar Livre, uma empresa com foco em educação e experiências ao ar livre, para Murilo Bellesi, fundador da Kaluanã: a empresa “é um estilo de vida, comprometida com o bem estar do ser humano integrado à sociedade, à natureza e consciente da sua construção de um mundo melhor”.

Nessa parceria, a Kyvo apresentava uma nova proposta de ação e reflexão com base em questionamentos mais profundos e provocadores sobre ciclos de inovação global. Vislumbrando uma possibilidade de reconexão harmônica entre ser humano e natureza, essa parceria buscava firmar novas pontes coesas. A prototipação dessas pontes surge através de uma proposta de experiência, de vivência e de imersão em atividades ao ar livre. Neste caso, realizada na Serra Gaúcha.

O primeiro grande desafio nesse processo foi aceitar que somos natureza, independente do nível atual de conexão e engajamento ambiental das pessoas e que, para se pensar em soluções de fato disruptivas, devemos nos basear em princípios mais naturais, em estruturas pautadas pela cooperação e em novos ritmos.

As empresas com sede de inovação vêm constantemente buscando soluções instantâneas e acabam apenas reformulando modelos, no qual a inovação está muito amarrada na intersecção (pessoas, tecnologia e mercado) e se limitam à grande potência de descobrir o desconhecido (novo) que pode estar além dos círculos já conhecidos. Porém, como entender as necessidades humanas sem considerar a natureza e todo o impacto que uma estrutura social egocêntrica (materialista, baseada na competição, estratificação de classe e propensa à violência) vem causando no mundo? Quais são de fato as “necessidades humanas” dentro dessa construção? E como provocar uma emergência de mudança através de vivências e interações humanas em seu ecossistema natural?

Segundo Jennifer Adams, secretária de educação do distrito de Ottawa-Carleton – Canadá -, e responsável pelo processo de inserção do desenvolvimento de competências socioemocionais no currículo das escolas da rede de ensino local e influenciar diversas escolas ao redor do mundo pelo modelo implementado -, “vemos o aspecto cognitivo como a disposição para aprender. É principalmente nele que focamos nossas competências socioemocionais”. Isso nos mostra que cada vez mais vamos nos deparar com situações complexas, cujas soluções provavelmente estarão nas entrelinhas ou na relação entre todas as partes que compõem o problema.

Voltando à nossa imersão, a partir de seu início, passamos, então, a viver em busca de um bem estar cognitivo. Nessa experiência, fomos inspiradas por um líder-poeta, cujos ideais traziam a busca de uma relação de harmonia com a natureza e traduziam na prática a poética do equilíbrio. Ao seu lado, um líder-navegador que nos mostrou a importância da precisão, de ter um norte, a arte da navegação, cuja observação da paisagem é tão importante quanto estar atento à subjetividade dos processos humanos envolvidos em um trabalho coletivo. Nossos relatos, portanto, indicaram pontos convergentes sobretudo em relação ao quanto o contato com a natureza não é algo presente ou constante em nosso dia a dia urbano; e o quanto essa reaproximação pode influenciar na valorização das pequenas coisas, que não são necessariamente importantes ou relevantes ao olhar aprisionado do cotidiano.

Sabemos que o ser humano é um ser relacional; comprovamos na vivência da expedição o quanto se destacou a relação apreciativa com o meio, a natureza e os outros e o quanto que essa experiência nos permitiu olhar para valores individuais a partir do coletivo e criar ambientes confiantes para sermos íntegras e verdadeiras em nossas trocas. Apesar da ansiedade comentada por muitos dos participantes antes da imersão, notamos como essa sensação inicial foi sucumbida por um aprendizado muito maior. A expansão da zona de conforto individual permitiu que todos nós participantes percebêssemos que somos capazes de ir ainda mais além daquilo que nos limita; que somos mais capazes do que a estrutura urbana nos imobiliza de experimentar, de experienciar.

Por meio de uma abordagem em um ambiente positivo de aprendizagem (PDL – positive development learning), também vimos e notamos a importância do tempo específico e pulsante do aprendizado; o momento certo para um novo conhecimento ser adicionado e a grande importância da contemplação, para vivermos o tempo que o tempo pede, o tempo que realmente se é e se tem para ser vivido.

Toda essa percepção e abertura para mudança, proporcionada em meio a florestas, rios, montanhas e campos abertos, foi conquistada (dia e noite) mediante caminhadas, rodas de conversas, aulas técnicas e conceituais em um ambiente de extremo respeito e responsabilidade coletiva. Alguns exemplos podem ser lembrados nas dinâmicas de feedbacks (presentes intransferíveis); nos planos de viagem diários; nas frases simples e impactantes (“Espere o inesperado”) e em todos os desafios objetivos e subjetivos que o grupo enfrentou junto.

Dessa maneira, em uma imersão de 4 dias em um grupo formado por 16 pessoas de diferentes idades, gêneros e profissões, um novo caminho em transformação foi experienciado por nós e por outros colaboradores da Kyvo, em duas edições durante o ano de 2019. Foram nessas duas oportunidades que sentimos e vivenciamos as transformações propostas. Compreendemos que é nessa imersão, a partir do entendimento e da busca pelo reencontro natural do ser humano com ele mesmo e com a sua casa maior, que pudemos vivenciar e propor novas estruturas sistêmicas, rearranjadas em sistemas ecocêntricos (baseado em processos criativos imaginativos – no qual a arte está presente), na compaixão, na cooperação, e nas relações ecológicas mais justas e regenerativas.


* Amanda Gaspar, Elisa Feltran, Fabiana Stringini são pesquisadoras e participaram da expedição Kyvo Kaluanã.
Melissa Rossi é jornalista e colabora na área de reputação e comunicação da Kyvo (ainda não participou da expedição).

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