Grandes crises, como a que o mundo está vivendo devido à Covid-19, sempre geram grandes impactos na economia e, nesse cenário, os pequenos negócios são os mais afetados, uma vez que, nesse período, o risco de quebrar aumenta. Por isso, estar atento ao mercado e saber o momento certo de pivotar com agilidade é fundamental para que o negócio sobreviva mesmo durante um período de instabilidade.
Dos 14 segmentos mais afetados no Brasil, o Sebrae revelou que existem 13 milhões de pequenos negócios responsáveis por empregar mais de 21,5 milhões de pessoas e uma massa salarial de mais de R$ 611 bilhões anuais.
Só no varejo, dados divulgados pela Cielo apontaram que a queda na última semana de março foi maior que na semana anterior, atingindo -15,8% no acumulado do período analisado, por conta das medidas restritivas feitas pelo governo para evitar aglomerações.
Ainda diante desse cenário, empresas de diversos segmentos como saúde, varejo, bem-estar e imobiliário se mostraram atentas a isso e reformularam seus serviços a fim de atender a demanda de seus clientes.
Varejo
O Alpha Square Mall, shopping localizado em Alphaville, Grande São Paulo, antecipou-se aos decretos e mobilizou suas lojas para implementarem o serviço de delivery ainda no começo do aparecimento de casos da covid-19 aqui no Brasil, no dia 15 de março.
Adriana Saad, superintendente do Alpha Square Mall, foi a responsável pela decisão e contou ao Startupi que um dos maiores desafios foi entrar em contato com os lojistas. “Entrei em contato com cerca de 10% dos nossos lojistas, pois precisaríamos tomar a decisão e comunicar algo rapidamente aos clientes. Era domingo pela manhã, a nossa agência de propaganda fechada. Foi aí que tive a ideia de escrever um bilhete de próprio punho para os vizinhos e publicá-lo no Instagram do empreendimento, oferecendo delivery grátis para os clientes com mais de 60 anos. Não daria tempo de fazer algo profissional, um comunicado mais formal”.
Segundo ela, com a medida, mesmo em meio ao atual cenário econômico, o empreendimento teve aumentos de vendas delivery já na primeira semana. Saad ressalta que é muito importante, principalmente para os pequenos negócios, manter-se informado e ter agilidade em suas decisões. “Quando se é pequeno, não temos muita margem para errar. Errar pode nos levar ao buraco”, destaca.
A estrutura para delivery criada pelo shopping oferece ao lojista desde o espaço para retirada das entregas com agilidade e segurança, até a comunicação e divulgação do menu de serviços, com link direto para o WhatsApp, telefone de contato e e-mail no site do Alpha Square.
Entre os segmentos que aderiram ao serviço oferecido pelo empreendimento estão o de Alimentação, Moda e Serviços como lavanderia.
Lojista prepara pedido para delivery. Foto: Divulgação.
Saúde
Para continuar atendendo seus clientes e evitar aglomerações, alguns serviços da área da saúde também passaram por adaptações, como foi o caso de atendimento e consultas clínicas.
A Amparo Saúde, por exemplo, é uma startup que oferece atendimento primário à saúde com foco em medicina da família e já nasceu com a premissa de aliar tecnologia ao atendimento médico. Anteriormente à Covid-19, o paciente já tinha acesso via WhatsApp à uma enfermeira e o médico da família para tirar dúvidas pontuais, receber o resultado de exames, agendamentos e até orientações de saúde em geral.
“Decidimos ampliar nossa atuação à distância e dar continuidade ou início aos tratamentos de maneira digital, garantindo que a população possa manter seu acesso aos nossos serviços de saúde, de forma segura, respeitando as recomendações das autoridades sanitárias no que se refere aos cuidados para se evitar a transmissão e contágio pelo Sars-CoV-2”, explica Emilio Puschmann, fundador e CEO da Amparo Saúde, sobre a nova forma de atendimento.
Com o novo serviço de teleconsulta da startup, o paciente é avaliado por um médico de família da Amparo que analisa a história clínica e sinais e sintomas como febre, tosse, falta de ar, dor de garganta, mal estar geral entre outros. Após isso, os pacientes são separados de acordo com um algoritmo de decisão clínica em conjunto com a avaliação do especialista e os casos graves são encaminhados para serviços de urgência para as medidas de suporte e coleta de exame. Outros casos são orientados e podem receber prescrição de medicamentos e atestados pela teleconsulta.
De acordo com Puschmann, a aceitação pelos pacientes foi muito boa e a startup manteve o Net Promoter Score (métrica de lealdade do cliente) acima de 90%. Ele ainda ressalta a importância do olhar atento ao mercado. “É necessário pensar fora da caixa e de forma rápida, entender as reais dores do mercado e buscar resolvê-las de forma escalável. Muitas vezes, pequenos atos geram grandes resultados, mas é importante que a ação da empresa não seja por oportunismo, que seja genuína e compreenda a fundo o problema.”
Imobiliário
Outro setor que foi impactado pelas ações de isolamentos impostas pelo Governo foi o imobiliário. Para driblar isso e ajudar pessoas que possuem contratos atuais prestes a vencer ou precisam encontrar um novo lar com rapidez, a RuaDois incluiu em seu serviço a visita a imóveis por videochamada.
Nele, os hosts, que prestam serviço para a startup como autônomos do aplicativo – da mesma forma que motoristas da Uber e entregadores do iFood – realizam toda a apresentação do imóvel por vídeo, sem a necessidade de ter contato físico com as imobiliárias e com os locatários.
A startup foi fundada em 2018 e já nasceu com o objetivo de impulsionar a transformação digital do mercado de aluguéis. Pela plataforma é possível agendar visitas, fazer negociações e assinar o contrato de locação tudo virtualmente.
Agendamento de visitas pela plataforma RuaDois. Foto: Divulgação.
Paulo Fernandes, fundador e CEO da RuaDois, diz que em momentos assim é importante que as empresas se adaptem à necessidade de seus clientes e fomente todo o ecossistema. “A importância na crise é a mesma: continuar existindo. A grande diferença em momentos como o que estamos vivendo é a velocidade em que a mudança precisa acontecer. No nosso caso, a necessidade de adaptação tem uma causa maior: a sustentabilidade do negócio de pequenos empreendedores em diferentes cidades do Brasil”, completa.
Diferente dessas startups que já nasceram com o foco digital, outras empresas que ofereciam serviços totalmente físicos precisaram recorrer a outras soluções para atender seus clientes. Confira abaixo como o Gympass, a Webmotors e a Tec Sênior, empresa que faz reparo em aparelhos celulares e tablets, lidaram com o momento.
Bem-estar
A Gympass, plataforma de benefício corporativo, também procurou novas alternativas para garantir que todo o ecossistema mantenha-se funcionando. Com quase 24 mil academias parceiras no Brasil, 90% delas de pequeno porte, as novas medidas garantirão que elas continuem oferecendo serviços a seus clientes, da mesma forma que continuem a gerar receita.
Com a maioria dos espaços para exercícios físicos fechados, uma das iniciativas da empresa foi a implementação de uma plataforma de aulas virtuais. As aulas estarão disponíveis a partir do dia (01/04) dentro da plataforma do Gympass. Com isso, os centros conveniados serão remunerados pelos alunos que participarem das aulas, de forma semelhante ao check-in. Por ser online, sem limitação de usuários e espaço físico, a solução permitirá que as academias expandam o alcance de suas aulas a novos clientes por todo o território brasileiro.
“A habilidade de conseguir analisar e entender o que está acontecendo nas diversas partes do negócio é fator crítico, ainda mais em períodos de crise como o que estamos vivendo com o novo Coronavírus. As empresas precisam ser ágeis em ajustar o modelo e sempre buscar algo que gere valor para quem participa da cadeia (seja cliente ou parceiro), de forma a ter algo sustentável e escalável”, destaca Leandro Caldeira, CEO da Gympass Brasil, sobre a importância de pivotar em momentos de crise. “É a chance para inovar e buscar o que existe de mais novo no mercado em termos de tecnologia e adaptar à realidade do seu mercado”, completa.
A empresa também disponibilizará aulas digitais para não usuários através de uma parceria com a Glofox, plataforma de gerenciamento de atividades físicas para academia e estúdios. Por ela, o parceiro conseguirá administrar o agendamento da aula, a transmissão de treinos via Youtube Live e a cobrança pelas aulas. A plataforma será 100% subsidiada pela Gympass durante o primeiro mês de uso.
Além disso, a plataforma Wexer também será disponibilizada pela empresa com o objetivo de complementar as aulas virtuais. Nela, existem mais de 1500 aulas gravadas de diversas modalidades como HIIT, zumba, yoga e spinning.
Caldeira completa dizendo que a tecnologia é um dos fatores positivos diante de momentos assim. “O fato de o Gympass já ser uma empresa global, com equipes em 14 países, ajudou nesse momento, pois já temos uma mentalidade digital, nos conectamos virtualmente com frequência, e todos já estão munidos com notebook, o que nos permite trabalhar remotamente”, conclui.
Além das iniciativas acima, o Gympass anunciou duas medidas focadas na geração de receitas para seus parceiros. Uma delas é a antecipação de pagamentos das visitas realizadas no período de 1 a 31 de março para as academias parceiras, sem cobrar quaisquer taxas ou custo de capital por essa antecipação.
A empresa também estruturou um programa de incentivo digital para apoiar financeiramente os espaços que aderirem à plataforma digital. Para participar, as academias devem agendar pelo menos cinco aulas virtuais ao vivo por semana em abril e não podem ter atendido nenhum usuário Gympass por três dias úteis consecutivos, valendo desde o dia 15 de março.
Automobilístico
Uma pesquisa feita pela Webmotors apontou que, no momento, a maior preocupação de 61% dos consumidores que responderam a pesquisa é o contato físico na hora da compra. Diante disso, a plataforma de negócios e soluções para o setor automotivo lançou o CarDelivery, solução que permite aos lojistas oferecerem aos seus clientes a compra do veículo em sua residência, sem a necessidade de deslocamento.
O novo serviço permite que o consumidor tenha uma jornada de compra totalmente digital: desde a negociação, teste drive, pagamento, documentação, financiamento, contratação de seguro e até a entrega do veículo na casa do cliente.
As lojas que conseguem atender as condições de venda totalmente online, podem ativar o serviço gratuitamente pelo Cockpit, plataforma de soluções de negócios para lojas e concessionárias parceiras Webmotors. Após a configuração feita dentro do CRM da própria ferramenta, a loja receberá o selo de “CarDelivery” que ficará em destaque em todos os seus anúncios.
Ao receber a proposta de um cliente, a loja deverá combinar todos os detalhes do novo serviço como o limite de distância máxima para o teste drive e entrega, as formas de pagamento e todas as informações para a documentação. Caso o cliente tenha interesse em comprar o carro financiado, ele poderá fazê-lo pelo aplicativo do Santander, que entrou como parceiro da Webmotors para viabilizar o serviço, totalmente online e com todos documentos digitalizados.
“Acreditamos na aceleração digital para potencializar oportunidades de negócio para todos, sempre com garantia de saúde e segurança. O Delivery de carros é uma solução para manter a conexão entre compradores e lojas que têm interesse em comprar um veículo, mas que por receios do atual momento poderiam não ter suas necessidades totalmente atingidas”, fala Eduardo Jurcevic, CEO da Webmotors.
Como conselho para as empresas que também precisam encontrar novas soluções para seus negócios, Jurcevic destaca a importância de analisar os dados internos e externos para gerar insights que possam ser testados para um pequeno grupo e, depois de validado, escalado para as soluções dos negócios.
Assistência técnica
A Tec Sênior é uma assistência técnica especializada em reparo de celulares e tablets, que atua no bairro da Santa Efigênia, capital de São Paulo, há mais de 10 anos.
Em média, a empresa faz 300 reparos em aparelhos por mês e para continuar atendendo seus clientes com comodidade e segurança sem a necessidade de contato físico, Anderson Teodoro, proprietário da Tec Sênior implementou o serviço “express”.
Com ele, o cliente realiza o orçamento online, através do WhatsApp e caso seja solicitado o andamento do serviço, a empresa explica o processo do serviço express e pede o endereço de coleta. Um motoboy autorizado retira o dispositivo e o entrega no laboratório, que antes de iniciar o reparo, faz uma higienização prévia no aparelho.
Com o novo serviço também é possível que o cliente acompanhe em tempo real o conserto do produto através de um link que a empresa disponibiliza e que dá acesso direto às câmeras da Tec Senior.
Teodoro contou que pretende continuar com a modalidade de express, além de expandi-la como um novo conceito mercadológico da categoria de conserto de celulares e tablets.
“Se você acredita que o seu serviço pode beneficiar o maior número de pessoas e gerar solução a todas elas, não desista, se reinvente, comece do zero se preciso e acredite no seu potencial”, conclui o empreendedor.
Reparo feito em celular com o serviço express. Foto: Divulgação.
Pivotar em momentos de crise
Por isso, em momentos assim, clientes, parceiros e funcionários de uma empresa esperam por planos de contingência e tomadas de decisões rápidas por parte dela. Logo, a reação de um líder perante a crise pode se tornar uma característica distintiva para uma empresa duradoura.
Segundo Geraldo Santos, diretor do Startupi, “pra quem está vendo de fora, pode parecer uma ação bem simples, mas para o empreendedor que vive seu negócio desde o começo, é uma das decisões mais difíceis que ele deve tomar. Não existe bola de cristal, ou seja, o risco continua existindo, e pivotar não significa mudar o modelo de negócios com garantias de acertos. O importante é sempre incluir este item na pauta de decisões, pois os sócios precisam abrir todas as possibilidades existentes numa hora de crise e essa pode ser para muitas empresas, a única saída”, concluiu ele.
Além das incertezas e medos que permeiam a jornada do empreendedor, alguns não sabem como mudar o trajeto de seu negócio. Por isso, para te ajudar, o Startupi listou abaixo as 10 formas de pivotar de acordo com Eric Ries, norte-americano criador do conceito de Lean Starturp, confira:
Zoom-in: transformar o que seria apenas uma funcionalidade de sua solução em todo produto/serviço;
Zoom-out: ao contrário do zoom-in, esse modelo fraciona toda solução em apenas uma ou algumas funcionalidades da solução;
Engine of growth Pivot: buscar alternativas para a divulgação do seu produto — às vezes, um produto que foi visto como algo viral, que irá gerar divulgação espontânea através dos consumidores, precisa de outro método de marketing, como propagandas;
Channel Pivot: mudar a logística de entrega do seu produto;
Segmento de cliente: adequar sua solução para segmento de cliente específico, para que o produto fique mais atraente e bem nichado;
Necessidade do cliente: adaptar a solução as reais necessidade/dores do cliente;
Tecnologia: compreender a jornada de uso do cliente em sua solução e ver qual ele se engaja mais. Modificar de app para web ou web para app;
Modelo de negócio: além de mudar o segmento de cliente, modificar o modelo de negócio também é uma forma de pivotar: inverter o consumidor final pode ser uma boa alternativa, B2C para B2B ou B2B2C;
Modelo de monetização: alterar a forma de monetização da solução;
Estratégia de crescimento: ao mudar a forma de monetização, muitas vezes é necessário mudar também a estratégia de crescimento, processo comercial, marketing e as estratégicas parcerias para um bom marketing.
Ficou com alguma dúvida? O Startupi vem acompanhando de perto e publicando matérias e entrevistas com informações úteis para o ecossistema de startups neste momento de crise. Acompanhe todas as novidades e se mantenha informado aqui.
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