* Por Lessak

Certamente você já deve ter ouvido de algum palestrante inspirador que apenas utilizamos 10% do nosso cérebro e, portanto, devemos buscar aumentar o nosso potencial cognitivo! Ou também que existem certos períodos, como o do sono, em que nosso cérebro entra em algum estado de descanso, como se ficasse em stand by, para recarregar as energias e voltar a ser plenamente ativo e produtivo… ou, mais icônico ainda, que existem pessoas que se utilizam mais do cérebro esquerdo e outras do cérebro direito, sendo que as primeiras seriam mais analíticas, objetivas e planejadoras, e as outras seriam os artistas, mais desorganizados e criativos!

O que todas essas ideias sobre o funcionamento do cérebro e cognição humana têm em comum é que são absolutamente falsas. É o que chamamos de mitos das neurociências e, infelizmente, existem diversos desses conhecimentos superficiais sobre como o ser humano funciona que são espalhados por aí como senso comum.

Não é à toa que a neurocientista Molly Crockett, em seu TED Talk de 2012, já alertava para o erro da interpretação de dados neurocientíficos e, principalmente, para a transformação de tudo em “neuro-algumacoisa” com suas promessas de influenciar o comportamento humano!

Os avanços nas pesquisas científicas têm sido massivos nas últimas décadas, suportados por um desenvolvimento tecnológico que realmente têm nos levado a cruzar diversas fronteiras do conhecimento sobre o ser humano. Contudo, ainda sim, são achados pontuais e, salvo exceções, tendem a não serem facilmente incorporados como solução no mercado e no dia a dia das pessoas.

O que é ser criativo?

A criatividade, sobretudo, é assunto que muitas pessoas têm creditado como um elemento mágico, quase místico. Em diversos workshops, aulas e palestras que já ministrei, é comum que poucas mãos se levantem ao ouvirem a pergunta “quantos aqui são criativos?”

Isso ocorre porque foi construída essa noção dicotômica de que existem algumas pessoas que são definitivamente criativas e outras não. Destaco aqui, portanto, a importância de refletir sobre o modo como cada um de nós se percebe, o modo como cada um encara a si mesmo… Essa reflexão integra uma prática que a Psicologia chama de crenças limitantes. 

Todo ser humano é criativo por natureza. A criação está presente desde a necessidade por escolher o que fazer para o café da manhã, o redigir um e-mail, planejar uma rota de bike por lugares mais sombreados e com menos subidas, ou a composição de peças musicais que se tornam ícones de toda uma geração, ou até mesmo a resolução de problemas de negócio, que envolvem tantos elementos e variáveis!  

De forma simplista, posso dizer que a criatividade é um processo cognitivo relacionado à inteligência e, portanto, todo indivíduo que não apresenta comprometimento em suas funções cognitivas, estará apto a desenvolver soluções criativas em contextos diversos, como afirma a doutora em neurobiologia, Elisabete Konkiewitz, em seu artigo “Neurobiologia da inteligência, um desafio às neurociências”. 

Porém, não é possível ser simplista ao analisar o processo criativo, pois o ser humano é complexo. Por exemplo, tudo pode influenciar nessas habilidades cognitivas: algum aspecto genético ou do seu neurodesenvolvimento, o acesso socioeconômico que aquele indivíduo teve, os hábitos de vida como a qualidade da alimentação, exercícios físicos e sono, o relacionamento social desenvolvido com familiares e amigos, algum trauma ou evento estressante vivenciado… tudo isso pode impactar nos resultados criativos!

Assim, é importante estudar a criatividade e seus atributos à luz dos conhecimentos das neurociências, que podem ser compreendidas como “o esforço conjunto de diversas disciplinas em compreender os processos mentais (…) biogenéticos e a interação deles com fatores ambientais e culturais”, segundo Konkiewitz. (Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade; Ed. Papirus, 2014). 

O encontro da criatividade com a neurociência

Foi nesse contexto, da transdisciplinaridade, no cruzamento de conhecimentos da Psicologia à Antropologia, da Neurobiologia à Computação Cognitiva, da Semiótica à Nutrição… que eu me encontrei com a necessidade de me aprofundar mais. Como meu foco sempre foi o processo criativo (e, sobretudo o co-criativo, quando duas ou mais pessoas criam de forma colaborativa), busquei iniciar uma especialização e o curso que mais se aproximou desse campo de estudo foi o de Neurociências Aplicadas à Educação e Aprendizagem.

Desde o início eu já sabia que o conhecimento específico relacionado à criatividade eu não encontraria nessa pós-graduação, mas em artigos científicos e interagindo com pesquisadores dentro de institutos e no mercado, portanto, no mesmo momento, iniciei uma busca por repertório sobre o tema. Porém, acumular repertório sem estabelecer trocas, debates, diálogos e construir novos conhecimentos com outras pessoas não serve de nada! Neste momento, decidi iniciar um grupo de estudos independente, para que pudéssemos convergir diferentes bagagens e repertórios no encontro entre criatividade e as neurociências.

Hoje o Grupo de Estudos em Neurociências & Criatividade é composto por cinco integrantes com diferentes formações, gêneros, cores, sotaques, orientações sexuais e muuuuita disposição para se encontrar semanalmente e construir conhecimentos. É um grupo pequeno, pois queremos que as discussões sejam bem produtivas e com alta qualidade, mas muita gente se interessou por receber atualizações e fazer parte da comunidade ao redor do tema. Se você também se interessa, envie um e-mail para lessak@kyvo.com.br com o assunto “Quero ficar por dentro da Criatividade” que logo incluo você em nossa comunidade.


Lessak é especialista em Human-Centered Design e co-fundador da Kyvo, onde atua como Designer Estratégico no Labs, frente de estruturação de futuros negócios, parcerias e programas da holding. Hoje, aprofunda seus conhecimentos em Neurociências da Aprendizagem, com foco nos processos cognitivos da criatividade. Também está envolvido ativamente na liderança de iniciativas locais de fomento ao ecossistema de inovação por meio do design (Service Design Network e Global Service Jam).

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