* Por Tiago Garbim

Estamos vivendo um momento histórico no segmento de tecnologia da informação no Brasil e no mundo. Nos últimos anos, a corrida da transformação digital se intensificou e, com ela, a necessidade de inovar ganhou destaque e relevância. As empresas se depararam, portanto, com um cenário dividido: ao passo que muitos negócios buscam se reinventar, outros estabelecem e fomentam uma cultura predatória de fusões e aquisições.

À primeira vista, pode parecer forte demais se referir dessa forma à estratégia de M&A (mergers & acquisitions, ou, em português, fusões e aquisições), tão recorrente — e, em grande parte dos casos, também bastante eficiente — em nosso ramo. A verdade, porém, é dura e deve ser dita sem rodeios: caso os objetivos da transação não sejam claros e bem definidos, pecando em fortalecer a estratégia de complementaridade, a fusão ou aquisição corre o risco de se tornar apenas um artifício financeiro, que pouco agrega ao futuro da operação. E é aí que, em se tratando de negócios, mora o perigo.

Um efeito colateral de uma fusão ou aquisição pouco estratégica é o fortalecimento da concorrência pela falta de inovação. Muitos especialistas têm estudado o assunto e os estudos evidenciam o que testemunhamos na prática: é natural que as empresas focadas em M&A reduzam seu compromisso com a disrupção, dedicando tempo precioso à execução de estratégias financeiras e operacionais. Neste ambiente pouco receptivo às ideias, a cultura passa a ser um desafio e a motivação do time, um grande obstáculo.

A ânsia por manter os resultados de venda e por perseguir a otimização financeira — dois aspectos já esperados nesse processo de crescimento — passa a captar toda a atenção dos executivos, posicionando a inovação em um terrível segundo lugar na estratégia da companhia. Quando não o terceiro, quarto ou quinto lugar.

Na minha visão, é muito triste observar, em grande parte dessas operações, a preocupação caótica em avaliar o EBITDA (resultado da operação da empresa; em português: LAJIDA – lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) antes mesmo de vislumbrar a inovação que a empresa incorporada — moldada por histórias, pessoas e produtos — poderia trazer ao negócio e ao ecossistema como um todo. A ausência de propósito é, infelizmente, muito comum nas aquisições.

Oportunismo? Talvez sim. A verdade é que, no mundo dos negócios, em muitas ocasiões, o valor do dinheiro supera o valor do propósito.

Arrisco dizer que o momento do mercado é, em partes, responsável por essa mentalidade. Vivemos no ápice do crescimento acelerado das companhias de tecnologia, o que geralmente significa rápido crescimento da base de clientes e pouco tempo para inovar. Junto a isso, perspectivas de ganhos astronômicos — especialmente aqueles que provêm do IPO (processo de abertura de capital de uma empresa) — podem obliterar a visão de negócio para além das cifras.

No Brasil, o processo de abertura de capital impulsionou movimentos bem-sucedidos, tais como testemunhamos em Totvs, Linx, Neogrid, Méliuz, entre outros, e permitiu que outras empresas projetassem a possibilidade de multiplicar o ‘valuation’ com foco no IPO, visando surfar a mesma onda. Nem todas, entretanto, se preocupam com a consolidação de uma estratégia coerente.

A Locaweb, por exemplo, claramente estabeleceu um propósito no mercado nacional. Talvez os líderes da companhia tenham percebido que a operação de hosting de sites e e-mails não os levaria aos múltiplos esperados e, assim, tenham decidido revalidar seu modelo de negócios. A aquisição da Tray, ainda em 2012, deu indícios do novo direcionamento no e-commerce. 

Eu diria que a excelência da execução, aliada a um propósito claro, levou ao sucesso estrondoso da Locaweb na B3 nos últimos dois anos. É, sem dúvida, uma lição a ser estudada por empresas que defendem o M&A como parte da estratégia: o propósito estava tão claro que o movimento na Bolsa não abriu espaço para que a concorrência fortalecesse uma estratégia de inovação. O M&A, ele próprio, se tornou parte da inovação.

De um lado, temos empreendedores avidamente empenhados na busca por novas soluções, o que defendo e admiro. De outro, encontramos empresas extremamente financeiras sedentas por uma oportunidade de adquirir o “dinheiro pronto”. Particularmente, chamo assim as organizações que possuem uma base antiga de clientes, com crescimento tímido de 10 a 30% ao ano — o qual, em tecnologia, é muito baixo. Nelas, a inovação não é vista como o plano A e a estratégia de aquisição somente reitera uma tática para acelerar o crescimento da carteira.

Mais uma vez, empresas que defendem essa posição estão tão ocupadas em manter a base adquirida, unir processos, unificar sistemas, otimizar custos, reduzir pessoas e melhorar o EBITDA que se esquecem de construir o amanhã. E mais: o efeito negativo é ainda mais devastador quando a condução do processo é realizada por um empresa empresa que, historicamente, favorece números em detrimento de pessoas e de inovação.

O resultado? Abre-se espaço para as empresas verdadeiramente inovadoras. Aquelas que crescem com a cultura do inconformismo, prontas para perseguir e produzir o novo. São empresas que entendem que não se atinge resultados exponenciais executando a mesma receita de sempre.

Se eu pudesse sintetizar em uma única frase, seria enfático ao recomendar: seja qual for seu objetivo, fortaleça sua estratégia e busque um propósito. Uma empresa sem propósito é como um ser desprovido de alma. Suprime-se a sua essência e, ao priorizar apenas resultados, pouco inova. Quem ganha? Os concorrentes!


* Tiago Garbim é CEO e co-fundador da Ativy, empresa referência em Cloud Computing na América Latina. É formado em Sistemas de Informação com MBA em Projetos pela Universidade Mauá.

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