* Por Nicolas Gekker

A digitalização da saúde já acontece há alguns anos, mas foi só em 2020 e 2021, principalmente em razão da Covid-19, que passamos a ver o assunto sendo tratado como prioridade pelo setor, assim como ocorreu em quase todos os demais segmentos da economia.

A corrida para se adequar ao cenário pandêmico fez com que a telemedicina, antes não regulamentada ou amplamente aceita pela comunidade médica, se tornasse a forma mais viável para manter a agenda de consultas e foi além: os atendimentos on-line e os protocolos de higiene e distanciamento promoveram a digitalização da comunicação interna de hospitais e clínicas, além da utilização mais assídua das prescrições digitais e maior adoção de prontuários eletrônicos.

Esses avanços, por sua vez, permitem o maior uso de inteligência de dados no setor, entre outros avanços que compõem a segunda ou terceira camada tecnológica, ou seja, que dependem de uma primeira camada de digitalização. O ciclo que estamos vivendo hoje não é – e nunca foi – uma particularidade da saúde e, também, não é algo inédito.

Grandes revoluções sociais e tecnológicas aconteceram no decorrer de eventos transformacionais, como pandemias e guerras mundiais, ao longo da história e não poderia ser diferente agora. Ao mesmo tempo, avanços tecnológicos em sociedades acontecem de forma exponencial, dado que a adoção de novas tecnologias impulsiona futuras inovações.

Com isso em mente, vale dizer que o mundo está entrando em uma veia exponencial de crescimento desse segmento. Contudo, é essencial fazer notas de alguns pontos limitantes para este florescimento no Brasil, especificamente. Apesar dos avanços nos últimos anos, uma parte considerável dos prestadores de serviços de saúde no país ainda seguem sem a primeira camada tecnológica, e por isso, o ritmo da revolução digital continuará sendo mais lento por aqui do que em países mais desenvolvidos, evidenciado pela dificuldade que as healthtechs tem em tracionar aqui no país.

Outro obstáculo está na falta de acesso ao sistema de saúde privado, que, apesar de ser uma aspiração dos brasileiros, apenas 25% da população possui plano de saúde. De acordo com pesquisa realizada pelo Ibope, encomendada pelo IESS, o serviço é o terceiro maior desejo de consumo da população nacional, ficando atrás apenas de educação e da casa própria.

Nesse sentido, cabe inovações no setor que trazem uma gama maior de serviços populares ‘out-of-pocket’, ou que visem reduções nos custos da saúde suplementar, com maior inteligência de dados e foco na prevenção, o que tende a reduzir os tickets médios praticados pelas operadoras, ajudando a desafogar o SUS.

Para que essas e outras soluções ganhem escala e consigam penetrar o mercado, além do apoio regulatório, de entidades governamentais e da aceitação por parte dos grandes players, os Venture Capitalists terão um papel importante no financiamento destas inovações.

A necessidade pela digitalização no curto prazo movida pela pandemia, fez com que tais investidores passassem a enxergar a saúde digital não mais como um ‘nice to have’, mas como um ‘must have’, movimento que ocorre em todo o mundo, evidenciado pelo crescimento de 79% nos investimentos em saúde digital em 2021, segundo o relatório anual State of Digital Health, da CB Insights, que indica ainda o financiamento de 57,2 bilhões de dólares no segmento.

No Brasil, uma pesquisa da Sling Hub revela que as milhares de startups de saúde nacionais movimentaram cerca de R$ 1,8 bilhão de reais em 2021, número importante, mas que ainda é pouco relevante quando consideramos o faturamento do setor de quase R$ 315 bilhões no mesmo ano, conforme pesquisa da IPC Maps. Aqui, o funil de investimentos é mais largo para empresas em estágio inicial do que para as mais maduras e, ao mesmo tempo, o principal volume de aportes em growth stage vem de investidores internacionais.

Por conta dos conflitos geopolíticos e a conjuntura macroeconômica global, os principais investidores internacionais estão mais cautelosos e passando por um movimento de readequação de estratégia de alocação de capital, de modo que podemos esperar uma contração de um a dois anos nos aportes em tecnologia, principalmente em países emergentes. É natural, então, que empresas em estágio de growth em países emergentes, como o nosso, encontrem um cenário com grandes dificuldades para se capitalizar.

Embora esse cenário seja preocupante, eu confio que há perspectivas positivas para o País no longo prazo. Passando a tempestade, a tendência é de que voltem a crescer as aplicações em empresas que resolvam desafios reais do sistema de saúde, que aumentem a qualidade de vida da população, como é o caso dos investimentos em saúde mental e saúde preventiva, e que ajudem a destravar gargalos importantes no setor, tornando o sistema de saúde mais sustentável.

No contexto geral, o setor de saúde apresenta oportunidades interessantes em todos os estágios de maturação, principalmente para investidores capitalizados e que podem resolver problemas crônicos e urgentes por meio dos negócios de impacto: algo imprescindível para um país que conta com uma população enorme e bastante diversa, além de uma infinitude de ineficiências em quase todos os elos que sustentam a cadeia.

Somado a isso o fato de termos empreendedores excelentes e um mercado de capitais robusto, repleto de histórias de sucesso, o Brasil tem tudo para ser um dos grandes hubs globais de investimentos de impacto em saúde.


* Nicolas Gekker – Healthcare na Good Karma Ventures.

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