
*Por Eduardo Freire
Se a indústria brasileira fosse uma startup – dessas do Vale do Silício – ela já teria quebrado. E não apenas pela lentidão em inovar, mas porque opera com baixa escuta ao cliente, pouca capacidade de adaptação e estruturas que não toleram erro – o contrário do que sustenta um negócio inovador no mercado atual.
A provocação pode soar dura, mas é real. E talvez o mais curioso seja o contraste: se a indústria brasileira funcionasse como muitas startups nascidas no Brasil – e atuasse com mentalidade global – talvez já tivesse dominado o mundo.
O problema não está apenas no modelo. Tem também a ambição. E eu como empreendedor no mundo real, por muito tempo fui refém disso.
A indústria brasileira exige inovação, mas não pratica
Um estudo da Endeavor, que foi construído com apoio do Google Cloud e do Brazil at Silicon Valley, fez um mapeamento de 397 empreendedores espalhados por diversas partes do mundo – 59% do mercado de brasileiros que decidiram emigrar para empreender, está concentrado nos Estados Unidos.
Por sinal, a Califórnia, que abriga o Vale do Silício, é o principal destino desses empreendedores – se tornou o local de residência de 12% dos empreendedores que trabalham no exterior, e também conta com 20% das sedes de empresas fundadas por eles.
E a realidade é esta: Durante anos, vimos indústrias brasileiras pressionando startups por tração, escalabilidade e entrega de valor rápido. Mas quando olhamos para dentro dessas mesmas empresas, encontramos processos engessados, estruturas pesadas e uma cultura que premia previsibilidade e controle – não aprendizado. Afinal, fazer inovação aberta vai além de fazer conexão com startups.
Muitas dessas indústrias exigem das startups aquilo que elas próprias ainda não são capazes de sustentar internamente.
Pedem agilidade, mas têm ciclos de decisão de 12 meses. Pedem inovação, mas travam o onboarding por compliance. Pedem entrega de valor, mas não conseguem medir o que muda. Querem descobrir como resolver um problema não trivial, mas queria uma fórmula para resolver problemas prontos.
Se estivessem no ecossistema de inovação, teriam morrido no MVP
No mundo das startups, o cliente muda toda semana. O produto é validado, refeito e testado novamente. É um ciclo constante de escuta e entrega. Indústrias, por outro lado, foram treinadas para rodar em ciclos longos, com baixa tolerância ao erro e estrutura hierárquica.
De forma resumida, as startups, aliadas à tecnologia, estão em constante mudança, e não ficam engessadas na ideia inicial. Indústrias são engessadas e tradicionais – o que não condiz com o mercado da inovação atual.
Claro que precisamos respeitar o passado, mas precisamos fazer no presente e trazendo um olhar de futuro.
Não é à toa que tantas áreas de inovação corporativa foram engolidas pelas áreas de “excelência operacional” – sufocando a ousadia em nome da previsibilidade. Ouviu isso em algum lugar?
A conta chega: empresas que não aprendem mais rápido do que o mundo muda, quebram. E no ritmo atual, isso não é figura de linguagem.
Mas há um ponto de virada: o Brasil cria inovação na adversidade
Startups brasileiras nascem no improviso, no caos, com pouco capital e muitas barreiras. Isso, que em outros lugares seria fraqueza, aqui vira vantagem evolutiva. Elas aprendem a operar com pouco, escutar com atenção e entregar com foco.
E quando mudam de contexto – atuando em mercados globais – mostram uma competitividade que surpreende até os mais experientes.
Se a indústria brasileira adotasse essa mentalidade de sobrevivência adaptativa, com visão global desde o início, já teria criado legados muito maiores.
A real pergunta não é sobre o passado da indústria – é sobre o futuro que queremos. Será que o problema está apenas nas estruturas tradicionais? Ou está também em como nós, enquanto profissionais, líderes e sociedade, ainda nos limitamos a pensar local?
O que falta não é tecnologia, nem talento. Falta ambição conectada com a execução real.
Precisamos sair da lógica de piloto eterno, laboratório sem escala e do teatro da inovação. E construir uma jornada onde indústria e inovação sejam partes do mesmo jogo – não lados opostos do problema.
Então, por onde começar?
Se provocamos no título, podemos fechar com clareza e caminho. Não um playbook, mas uma chamada à ação real. Porque, no fim, a vida real não segue método de consultoria – ela exige gente que se entrega com sentido.
1. Escutar de verdade (não só pesquisar): startups crescem porque escutam para mudar. Indústrias sobrevivem quando escutam para evoluir – e agem a partir disso.
2. Prototipar fora do PowerPoint: P&D precisa sair do papel e encontrar o mercado. Valor validado é valor aprendido. E isso não acontece só em comitê.
3. Incomodar a própria excelência: excelência operacional que paralisa inovação é zona de conforto com KPI. Toda empresa relevante precisará, cedo ou tarde, desafiar aquilo que um dia a fez ganhar.
4. Transformar cultura com ritmo, não discurso: cultura não muda com talk, muda com cadência: entregas, aprendizados, decisões reais. O que muda a cultura é o que muda o cotidiano.
5. Pensar global com a coragem de quem sobrevive aqui: nossa maior vantagem está em saber criar com pouco. Agora é hora de fazer com escala, com rede, com inteligência e com protagonismo.
*Eduardo Freire é CEO e estrategista de inovação da FWK Innovation Design.
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