O sistema tributário brasileiro é conhecido por sua complexidade. Mesmo especialistas enfrentam desafios para compreender as inúmeras normas aplicáveis. Essa dificuldade impacta ainda mais profissionais de áreas não relacionadas à contabilidade, como médicos, que possuem alta renda, mas pouco domínio sobre planejamento fiscal.

Foi observando essa realidade dentro da própria casa que Júlia Lázaro decidiu empreender. Administradora de formação, ela percebeu que seu marido, médico, desconhecia oportunidades para otimizar tributos. “Sou casada com um médico e, enquanto trabalhava em multinacional, via que a empresa tinha uma estrutura robusta para identificar oportunidades tributárias. Porém, quando conversava com meu marido ou outros médicos, eles não faziam a menor ideia do que era isso e acabavam pagando impostos demais”, explica.

Diante desse cenário, Júlia deixou o emprego para fundar a Mitfokus Contabilidade Médica, focada em ajudar profissionais da saúde na gestão de impostos. A proposta surgiu a partir da constatação de que, muitas vezes, médicos preferem arcar com tributos mais altos apenas para evitar riscos de autuação. “Eles têm tanta aversão ao Fisco que dizem: ‘Prefiro pagar mais só para não ter problemas’”, relata.

Inicialmente, a empresa funcionava como consultoria de planejamento tributário. A atuação visava reduzir legalmente até 70% dos encargos. No entanto, a insegurança dos clientes, geralmente atendidos por escritórios contábeis generalistas, evidenciou a necessidade de uma solução mais robusta e escalável.

Foi então que a Mitfokus se transformou em uma plataforma digital. A solução oferece abertura de empresas, emissão de notas fiscais, organização financeira, geração de livros caixa e acompanhamento fiscal, por meio de planos mensais a partir de R$ 249.

A expansão trouxe um novo desafio: as diferentes legislações municipais. Cada cidade adota regras próprias para emissão de notas e cálculo de impostos. Isso exigiu um mapeamento detalhado por parte da startup. “Hoje temos em torno de 450 municípios homologados no sistema, e cada cidade tem regras personalizadas. Assim, tivemos que criar mais de 250 mil regras de negócio para conseguir emitir notas fiscais em todas essas localidades”, explica Júlia.

Com atuação nacional, a empresa atende médicos de diversas especialidades, que precisam de CNPJ para atividades como plantões, consultórios ou serviços em hospitais. A fundadora não divulga dados de faturamento, mas confirma que a operação possui clientes em todos os estados.

O ambiente tributário, que já é complexo, passará por mudanças significativas com a entrada em vigor da Reforma Tributária, prevista para começar em 2026. O novo modelo substituirá tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS por dois impostos: o CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal), formando o chamado IVA Dual.

Apesar de prometer simplificação, o sistema trará impactos relevantes, inclusive para profissionais da saúde. “Hoje, uma empresa paga entre 10% e 15% de impostos sobre o faturamento. Quem não faz planejamento tributário pode chegar a 20%”, aponta Júlia.

Com a reforma, a alíquota média será de 28%. No entanto, setores considerados essenciais, como saúde, terão redução de 60%, resultando em carga efetiva próxima de 11%. Ainda assim, segundo a empresária, alguns profissionais poderão enfrentar aumento, de até quatro pontos percentuais, em comparação aos custos atuais.

Outro fator relevante será a necessidade de escolher bem os fornecedores. No novo modelo, impostos pagos na cadeia produtiva poderão ser abatidos, mas isso depende do regime tributário dos parceiros comerciais. “Se o fornecedor for optante do Simples Nacional, ele não vai gerar créditos tributários. Por isso, pode ser mais vantajoso escolher fornecedores no Lucro Presumido ou no Lucro Real, que permitem o abatimento dos impostos”, explica.

Essa lógica obriga médicos e empresas de saúde a repensar não apenas sua própria estrutura fiscal, mas também as relações comerciais. A escolha de parceiros impactará diretamente o valor final dos tributos devidos.

A atuação da Mitfokus reflete uma tendência crescente de nichos especializados no setor de tecnologia contábil, também conhecido como contabilidade digital. O objetivo é oferecer soluções específicas para perfis profissionais que demandam serviços adaptados às suas realidades, em vez de consultorias genéricas.

A plataforma funciona como um sistema integrado, permitindo que o usuário controle suas obrigações fiscais, emita notas, acompanhe relatórios financeiros e receba orientações sobre como otimizar legalmente sua carga tributária.

Diante das mudanças previstas para os próximos anos, Júlia destaca que o papel da tecnologia será ainda mais relevante. A digitalização dos processos permitirá aos profissionais não apenas cumprir suas obrigações, mas também planejar de forma mais eficiente, reduzindo riscos e custos.

“Nosso trabalho é simplificar um sistema que, por natureza, é complexo. A tecnologia permite traduzir essas regras e entregar soluções acessíveis, seguras e personalizadas para cada realidade”, conclui.


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