Publicado em: 02 de dezembro, 2019
Renato Santos

Renato Santos

Renato Almeida dos Santos formado em Direito, MBA em Gestão de Pessoas, Mestre e Doutor em Administração pela PUC-SP. Foi executivo da área de Compliance e Prevenção a Fraudes Organizacionais em consultoria internacional de Gestão de Riscos por 12 anos. Ministrou diversos cursos e palestras no Brasil e Exterior (China). Anteriormente, trabalhou no Ministério da Defesa, como Oficial do Exército Brasileiro e na Duratex S/A, na área de Recursos Humanos. Docente de Pós-Graduação e Graduação na FECAP, FEI e SENAC. Coordenador do MBA de Gestão de Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócios. Premiado pela CGU e Instituto Ethos e autor do livro “Compliance Mitigando Fraudes Corporativas”.

Em qualquer organização, aliás em qualquer relação humana, a confiança é a mais eficiente forma de se prevenir atos antiéticos uma vez que é utópico pensar em um sistema de monitoramento e controle blindado à prova de quaisquer atos de oportunismo, mesmo porque o custo que esse pseudo sistema infalível seria inviável para sua execução, inclusive correndo o risco de se tornar mais oneroso do que a própria ineficiência.

Por outro lado, a forma gestão que simplesmente confia ‘cegamente’ em seus colaboradores carece de viabilidade ao se pensar na complexidade das necessidades humanas.

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Assim, temos que buscar um padrão mínimo de confiança e a fonte dessa confiança por vezes está na “moralidade generalizada”, ou seja, no desenvolvimento de toda e qualquer sociedade se estabelecem acordos para possibilitar o convívio de membros o que, por sua vez, garante a sua própria existência.

Daí a importância de estabelecer e, principalmente, comunicar a conduta dos seus membros esperada pela organização. Isso é importante em todos os aspectos, mas tem maior importância quando estamos em uma zona cinzenta como é o caso do tema conflito de interesses.

Zona cinzenta porque não é tão claro (preto no branco) se há conflito de interesses quando um colaborador começa uma relação afetiva com outro, ou se há conflito somente o fato de um parente de um colaborador trabalhar em um fornecedor, ou ainda, se um membro da organização fazer parte de um grupo de discussão com membros da concorrência.

Talvez você respondeu prontamente às indagações acima, sem ao menos titubear, porém talvez seu sócio ou outro colaborador teria respondido de forma completamente contrária e, não quer dizer que um está certo em detrimento do outro, apenas quer dizer que se faz necessário, e porque não dizer fundamental criar diretrizes para nortear as decisões.

E para entender essas diretrizes, é importante ter em mente que a relação social a qual o indivíduo interage possui variadas formas, não se resumindo apenas a forma estritamente profissional, esta denominada “sociabilidade secundária”, ela é considerada “secundária”, pois primariamente os profissionais, antes mesmo de poderem desempenhar funções econômicas e político-administrativas tiveram de ser constituídos como pessoas e estas são as relações primárias – parentesco, amizade, aliança.

E, muitas vezes, uma relação profissional (secundária) pode ser tornar primária por meio da dádiva, que é uma prestação efetuada sem garantia, muito embora que essa garantia está ‘nas entrelinhas’ porque a regra estabelecida é do dar-receber-retribuir, isto porque a dádiva é algo inalienável uma vez que representa o próprio doador, logo, se este não for devolvido, quem recebeu se sentirá humilhado e indigno, gerando assim uma dependência social, mesmo que inconsciente.

Dar, receber e retribuir é fazer circular presentes, favores, serviços, informações, gentilezas, palavras, discursos, objetos, entre outros. Importante se fazer a diferenciação entre dádiva e mercadoria, pois mesmo que ambas são providas de interesses, na dádiva o objeto não pode ser mensurado economicamente, em outras palavras, quando este objeto tem valor econômico mensurado explicitamente, a relação é mercadológica.

Para prevenir conflito de interesses, temos que ter um olhar para além do mercadológico nas relações profissionais das organizações, tanto interno quanto externo, pois os motivadores para quebra de confiança não são apenas financeiros, mas por laços pessoais principalmente.

Na prática, não basta apenas proibir o recebimento de presentes de fornecedores, ou ainda, tentar impedir em uma batalha inglória que colaboradores se relacionem afetiva ou sexualmente, ou por vezes bloquear grupos de redes sociais a fim de se distanciar de qualquer relação com concorrentes. É preciso implantar uma cultura que minimize estes conflitos, e para isso preparamos uma lista de ações efetivas:

  • Desenvolver uma política clara e direta sobre os limites aceitáveis de recebimento de brindes e presentes;
  • Criar um procedimento no caso de recebimento de presentes sem a possibilidade de devolução, como por exemplo, sortear para a equipe ou realizar doação para entidades carentes;
  • Comunicar quais os limites esperados pela organização em termos de conduta do colaborador diante das suas relações sociais, mas o mais importante é deixar claro sobre os riscos inerentes nestas relações;
  • E ainda, se surgir dúvidas sobre o que pode ou não pode ser feito, disponibilizar um canal seguro, isento e sem qualquer tipo de punição para sanar as dúvidas que certamente surgirão no dia a dia profissional.

Um risco que corremos ao prevenir conflitos de interesses na organização é “jogar fora o bebê com a água suja”, em outras palavras, é incorrer no erro de engessar as relações interpessoais de colaboradores entre si, entre fornecedores ou até mesmo clientes. Daí, quando se implementar ações para mitigar riscos de conflitos de interesses o essencial é ter e deixar claro que estamos combatendo os ‘conflitos’ e não os ‘interesses’ da organização, que estes podem e devem ser legítimos e defendidos por todos os colaboradores, criando assim um ambiente de confiança.

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