*Por Clara Bidorini

Não é de hoje que a discussão produto/serviço no mercado brasileiro vem influenciando o desenho de estratégias e projetos de inovação, o que nos leva à chamada “era do serviço”, na qual o consumidor, o usuário, o cliente, em geral, o ser humano, é colocado no centro do planejamento. Como service designer, mal podia esperar que esse entendimento chegasse aos programas de aceleração. Enfim, chegou.

Em linhas gerais, o foco principal da maior parte dos programas de aceleração é fazer o produto das startups ganhar escala. Ou então, no caso dos programas corporativos, muitas vezes o esforço realizado pelas corporações patrocinadoras da aceleração se concentra mais na busca por novos fornecedores do que na procura de novas tecnologias, oportunidades de negócio ou até no fomento ao ecossistema. Para isso, trabalha-se muito as frentes de produto, potencial de mercado, base de clientes, KPIs, growth. Todas importantes, sem dúvida. Mas, a meu ver, ainda falta algo essencial, algo fundamental para o sucesso de qualquer negócio, sobretudo quando o objetivo for levar a inovação ao mercado: entender e sucessivamente desenhar os pontos de contatos entre os serviços fornecidos pelas startups com o ecossistema envolvente. E o caminho para isso é a aplicação do Service Design.

Um bom serviço é medido pela experiência que proporciona e por seu valor agregado. Por esta razão, a visão de quem projeta o serviço precisa ser abrangente, mais do que apenas a entrega unívoca de servidor a um usuário. Paremos para pensar um pouco sobre quantos serviços entregam valor aos seus usuários, desconsiderando o contexto envolvente. De que forma eles continuariam existindo em vácuo sem o envolvimento com o ambiente que os contém? Qual é a troca de valores que eles estabelecem com esses ambientes?

De Von Bertalanffy à Maturana, vários teóricos têm defendido ao longo dos últimos 50 anos a natureza sistêmica de projetos, estratégias, organizações. E com isso a necessidade de ter abordagens próprias para o entendimento da sua complexidade. Hoje, na era do serviço, usar o design como abordagem de gestão para negócios garante mais que outras abordagens à visão sistêmica necessária para gerir a complexidade da entrega de um serviço.

A gestão de negócios pelo design não influencia apenas áreas de consultoria, mas também os processos de aceleração. Há exemplos emblemáticos no mercado de como o mapeamento das mais variadas jornadas de consumo de bens e serviços é passo fundamental para chegar ao desenvolvimento de soluções alternativas que ajudem a regular a complexidade dos problemas em seus mercados e contextos, entregando diferenciais verdadeiramente relevantes para o ecossistema envolvente. Essas são as soluções verdadeiramente inovadoras, com visão sistêmica e com a possibilidade de diminuir contextos de escassez, monopólio, univocidade etc. Com esse objetivo, aplica-se o Service Design, na sua vertente mais estratégica, para mapeamento de ecossistemas de inovação em nossos projetos e processos de aceleração, tangibilizando o processo por meio de ferramentas e capacitando os clientes para que o conhecimento de criar soluções inovadoras não fique restrito.

Percorrer a fundo todos os pontos de contato do ecossistema da solução em estudo é fundamental tanto para startups como para grandes corporações. A Ant Financial, braço financeiro do gigante chinês Alibaba, por exemplo, não deixou de pensar na fatia da população que não têm acesso à internet quando se propôs ao desafio de acabar com a circulação de dinheiro (papel moeda) em grandes cidades do país. Parece loucura, e talvez seja, mas eles conseguiram.

Um dos maiores cases de ‘cashless cities’ encontrou solução até mesmo para o vendedor de rua em Xangai. Ao buscar utilizar o celular como fonte primária de pagamentos, a Ant Financial foi buscar no design de serviço as respostas de como viabilizar isso. Identificou, entre diversas outras coisas, que o dinheiro doado pelas pessoas em épocas festivas era um hábito cultural importantíssimo na China. A solução, neste caso, foi gamificar os aplicativos para replicar toda a simbologia de doar o dinheiro nessas épocas e, assim, fazer as pessoas se sentirem confortáveis de fazer isso via app. No caso do comércio de rua, onde o dinheiro predomina, outro desafio: bancarizar essa população.

Mas como fazer isso com alguém que não tem celular ou que não pretende entrar no mundo dos smartphones? A Ant Financial distribuiu QR Code atrelado à uma conta bancária em que os consumidores o escaneiam para fazer os pagamentos. A solução deu tão certo que até moradores de rua passaram a utilizar o QR Code para adquirir algo. O mapeamento desses atores precisa ser realizado de forma muito séria, não apenas tangibilizando sua existência em mapas de stakeholders, como também entendendo todas as relações e trocas de valor entre eles e relacionadas com os serviços.

O caso da Ant Financial serve para ilustrar a importância a ser dada aos stakeholders envolvidos com o serviço, partindo-se do princípio que cada um tem uma relação e uma jornada diferente, pois interage com esse serviço de uma forma distinta. Essas jornadas precisam ser sobrepostas entre si e se comunicar. É isso que chamamos de blueprint de serviço. É dele que se entende quais são os pontos doloridos que podem afetar o uso e a compra desse serviço.

O processo de Service Design estimula a formação e a validação de hipótese que resolvam esses pontos de dor, evidenciados pelo Blueprint de Serviço e conectados com o mapeamento de stakeholders. A validação das hipóteses de negócio se dá, por sua vez, por uma metodologia chamada de prototipação. Neste ponto, é que muitas aceleradoras pecam, olhando para o potencial de algo considerado escalável, mais na aposta que possa dar certo, do que no questionamento profundo do negócio, com testes, iterações, observações, escuta ativa, pesquisa em campo.

Aceleradoras que trocam serviços por equity (participação societária de uma empresa ou startup) estão em uma situação de força, pois caso a startup acelerada não demonstre o crescimento de um produto/serviço, o risco delas será muito baixo em comparação com o da própria startup ou do investidor. Graças à prototipação, as abordagens de design diminuem fortemente as chances de falha de um serviço, reduzindo o risco da própria startup e, consequentemente, de seus investidores.

Designers são teimosos na procura por entender quais os verdadeiros problemas que impedem uma empresa de crescer. Não existe mágica. Existe apenas uma persistência em encontrarmos o jeito correto de identificar problemas, construir soluções coerentes com o ecossistema, desenhar todos os pontos dos serviços e testar o que foi cocriado entre startups e corporações. Essa é a alma do design de serviço. Desenhar e construir pontes válidas para empresas e startups conseguirem de fato entregar projetos de valor. Os nossos resultados demonstram que esse é o caminho certo.


*Clara Bidorini é head de corporate venture na Kyvo Design-Driven Innovation, cofounder do Programa_Namoa e participa da Rede de Mulheres atuando em Design e Inovação.

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