* Por Exame.com

Ter sucessos como a Beyond Meat, avaliada em mais de oito bilhões de dólares, e a Jump, vendida para a gigante de mobilidade urbana Uber, é a meta para investidores de startups. Conseguir o feito requer uma boa dose de experiência — e de recursos para investir em diversos empreendimentos, sabendo que o desempenho de alguns compensarão os resultados mornos ou ruins de tantos outros.

O empreendedor e investidor israelense Jon Medved investiu na Beyond Meat, na Jump e em outras 200 startups por meio de seu novo projeto, a plataforma de equity crowdfunding global OurCrowd. Medved já empreendeu em outros negócios, como a empresa de patentes em telecomunicações e internet Vringo e a companhia de fibra óptica MERET, e criou o fundo de investimentos em startups Israel Seed Partners. Na OurCrowd, captou 1,28 bilhão de dólares com investidores e devolveu-lhes 35 saídas (eventos de liquidez).

Dois terços das startups cadastradas são de Israel, mas a OurCrowd reúne empreendimentos de todo o mundo. Busca, agora, startups brasileiras: a plataforma de equity crowdfunding abrirá seu 13º escritório global em São Paulo. A OurCrowd é apenas para investidores qualificados. No Brasil, é preciso ter um milhão de reais em investimentos financeiros para se tornar um deles.

“O Brasil está em um momento interessante, com muitas pessoas inteligentes, capital crescente e diversos problemas a serem solucionados. O que faltava era recurso disponível e o país está em um ponto de inflexão”, afirmou à Exame Jon Medved durante o OurCrowd Sync: São Paulo 2019, evento de grande escala da OurCrowd anteriormente feito apenas em Israel.

Em entrevista, o empreendedor e investidor falou sobre o ecossistema de inovação de Israel, a nação das startups; sobre a proposta da OurCrowd; e sobre as oportunidades no mercado brasileiro. Veja, a seguir, os principais trechos da conversa com Jon Medved, fundador da OurCrowd:

EXAME — Quando você começou a investir em startups e como o ecossistema de inovação israelense mudou de lá para cá?

Jon Medved — Minha primeira experiência com investimentos foi na minha própria startup, uma companhia de fibra óptica chamada MERET. Era 1983 e não havia uma indústria de capital de risco no país. Tive de ir até uma corporação para conseguir um cheque de 600 mil dólares, e foi muito difícil.

O primeiro fundo de venture capital só seria criada três anos depois, chamado Athena. De 1986 até 1992, só havia um fundo de 26 milhões de dólares. O Athena fazia um ou dois aportes por ano, de 500 mil a 1 milhão de dólares. Ou você era sortudo para ser escolhido ou não tinha capital externo.

Ia para conferências e ninguém sabia o que Israel estava fazendo, então começamos a criar nossa história. Hoje, todos conhecem nosso país e querem saber como atingimos uma quantidade de investimento em startups acima da média. Foram oito milhões de dólares no último ano, fora o número de companhias adquiridas. Cerca de 85% desses recursos vieram de investidores estrangeiros, o que mostra nossa conexão com o mundo. Em regiões como Vale do Silício, China e o próprio Brasil, essa porcentagem é menor.

Quão importante foi o incentivo governamental para a criação desse ecossistema israelense?

Um grande salto foi o Yozma, um fundo criado pelo governo israelense em 1993. Ele dava contribuições iguais aos investimentos feitos por outros fundos em startups. Se um fundo colocava um dólar, o governo colocava um dólar. Depois, o fundo poderia recomprar a participação do governo, somada a uma baixa taxa de juros. Em 1995, criei o Israel Seed Partners. Não contei com os fundos do Yozma, mas a indústria de venture capital já estava estabelecida o suficiente para voarmos sozinhos. No final da década de 1990, já havia uns 30 ou 40 fundos. Hoje, temos mais de 100.

O governo israelense também criou incubadoras de alto risco, colocando recursos em inovações e ajudando-as por diversos meses. O governo só recebe seu dinheiro depois, em royalties ou no caso de uma venda.

A esfera pública teve um papel importante para a explosão das empresas de tecnologia. Mas teve a inteligência de entrar e saber quando era a hora de sair, de deixar fundos privados crescerem sozinhos. Geralmente, o governo permanece e quer tomar cada vez mais decisões, abrindo o caminho para interesses políticos.

Quais são os desafios atuais das startups israelenses?

Já provamos que podemos construir startups, algumas delas bilionárias. Agora, estamos nos perguntando sobre como criar uma startup israelense com escala, um novo Facebook, Google ou Uber.

Nossos casos de sucesso foram muito menores — a Mobileye foi vendida por 15 bilhões de dólares. O Waze foi vendido por apenas 1,3 bilhão de dólares. São negócios que mudaram o mundo, mas não atingimos esse grandes números. As pessoas esperam muito de nós, e nós temos de nos cobrar mais. Como dizem, somos tão bons quanto nosso último ato. Sempre temos de pensar no próximo estágio.

Como a OurCrowd ajuda nessa exigência de criar mais scaleups?

Meu papel nisso é construir uma rede global de investimento a partir de Israel. Por mais que nosso ecossistema de inovação tenha evoluído, o processo de aportes continua muito tradicional. Temos um pequeno grupo de investidores procuram negócios de uma maneira fechada, quase esotérica. Procurar inovações é uma tarefa árdua, cada um faz suas próprias pesquisas na internet, sem curadoria ou diligência financeira.

Queremos nos tornar líderes na democratização desse processo, construindo uma plataforma que permita que as pessoas achem inovações com base em suas preferências de investimento. Temos um investimento mais transparente, divulgando a avaliação de mercado de companhias privadas aos nossos quase 40 mil membros. Buscamos chegar aos 400 mil e depois aos 4 milhões de usuários.

Como está o mercado brasileiro de startups hoje? Quão longe estamos do nível de maturidade visto em Israel?

O Brasil está em um momento interessante, com muitas pessoas inteligentes, capital crescente e diversos problemas a serem solucionados. O que faltava era recurso disponível e o país está em um ponto de inflexão, ajudado por fundos como o do SoftBank.

Em termos de setores, agricultura, finanças e saúde são extremamente importantes por aqui e ainda subdesenvolvidos digitalmente. Assim como outros países emergentes, o Brasil dará um salto e irá direto aos negócios pelo celular, trazendo mais tecnologia. O big data se transforma em um big egg [ovo grande, melhorado].

Vejo um gap de cerca de alguns anos para chegar ao nível de financiamento de Israel, entre 8 e 10 bilhões de dólares para startups anualmente. Há cinco anos, Israel tinha 2 bilhões de dólares em investimentos apenas. Acho que essa quadruplicação pode acontecer por aqui também. Vocês chegarão lá, e quero ser parte disso.

Você já vendeu startups e as levou até um IPO. Quando é a hora certa de vender um negócio?

Essa é uma decisão pessoal e há um dizer comum de que ninguém se arrepende de ter ganhado dinheiro. Eu aconselharia olhar para as taxas de crescimento do negócio e para as grandes tendências de mercado. Se o empreendimento continuar se expandindo, pode ser um sinal para ficar junto dele mais algum tempo. Mas a empresa pode estar prestes a ser engolido por outra tecnologia.

No nosso portfólio, temos diversas empresas. Se recebemos uma oferta de cinco ou dez vezes maior do que colocamos, costumamos aceitar se o empreendedor concordar. Nossos investidores querem ver saídas, a falta de liquidez é a maior dor nesse tipo de aplicação. Temos novos negócios entrando para reciclar nossa carteira de venture capital, às vezes de empreendedores que já venderam uma startup anteriormente e voltam a criar empresas.

A OurCrowd já investiu em startups brasileiras? De forma inversa, startups israelenses demonstraram interesse no Brasil?

Quase investimos em uma, mas todos os documentos estavam em português, as métricas financeiras estavam em reais e as legislações eram específicas demais. O negócio não estava pronto para um investimento internacional.

Agora, já estou vendo companhias que não querem ser apenas as maiores do Brasil, e sim globais. É uma atitude essencial para a OurCrowd, porque queremos ajudar por meio do acesso a uma rede global de investidores. Não somos aportadores passivos. Espero que, no próximo ano, possa contar dos recursos que já mediamos para startups brasileiras.

Também queremos conectar nossas centenas de companhias, com tecnologias interessantes, às oportunidades do mercado brasileiro. Quase toda semana temos delegações brasileiras visitando Israel e precisamos mostrar mais nossas startups. Tenho falado de empreendimentos de agricultura, cibersegurança, fintech, saúde que podem crescer, acumular descobertas científicas e agregar valor às corporações.

Já temos parcerias com o Grupo Fleury e o Laboratório Sabin e buscamos adicionar mais companhias brasileiras buscando acessar mais inovações. Também queremos conquistar investidores brasileiros, assim como no resto do mundo. Quando eles veem que nós ou que seus colegas colocaram dinheiro em negócios como uma Beyond Meat ainda no começo, querem participar também desse novo jogo. No próximo ano, buscamos adicionar centenas de investidores brasileiros à OurCrowd.

A OurCrowd se considera uma “plataforma para investidores de verdade”. O que isso significa?

Nenhum negócio é criado igual. Assim como eu me responsabilizo por fazer a diligência financeira de uma startup, o investidor deve fiscalizar as plataformas pelas quais investe. Apurar quais foram suas taxas de sucesso e de fracasso.

A maioria das plataformas de equity crowdfunding cobra das startups, os negócios pagam para aparecer na plataforma. Nós queremos companhias que os investidores implorem para investir, a ponto de pagar para estar na plataforma que possibilite tais aportes. Todas as nossas taxas vêm dos investidores e competimos com fundos de venture capital para termos as startups.

Outro ponto é o estudo de oportunidades: aceitamos apenas de 1 a 2% dos negócios que olhamos. Por fim, 5% de cada rodada saem do nosso caixa. A maioria das plataformas não investe nos negócios que divulgam. Acredito que faz parte do nosso trabalho ajudarmos a startup, desde o levantamento de fundos até criar conexões e ajudá-las a contratar gerentes.

* Por Mariana Fonseca, para Exame.com

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